23 setembro 2023

as coisas acontecem-lhes

 

Túmulo do Papa João XXI na catedral de Viterbo: a casa caiu-lhe em cima 


O Papa João XXI - o médico português Pedro Hispano -, teve um curto pontificado, pouco mais de oito meses. Quando um dia de manhã se arranjava no Palácio Episcopal de Viterbo, onde residia, o tecto ruiu e desmoronou-se sobre ele. Está hoje sepultado na catedral de Viterbo que fica mesmo em frente ao Palácio.

Há quem diga que foi um castigo de Deus porque ele não era boa pessoa. Mas é uma profunda ironia que o único Papa português da História tenha morrido desta maneira trágica e tão genuinamente portuguesa.

Aconteceu-lhe. A casa caiu-lhe em cima.

Nos países de cultura capitalista as pessoas são propensas ao risco, passam o tempo a especular sobre o futuro em busca de oportunidades criativas e lucrativas e a segurar-se contra os imprevistos que o futuro traz consigo. O importante é o futuro, as pessoas vivem para o futuro. As conversas na família, no trabalho, nos meios intelectuais estão quase sempre viradas para o futuro. Esta é uma cultura que, até certo ponto, é capaz de moldar o seu próprio futuro.

Pelo contrário, nos países conservadores, ainda por cima tomados pelo socialismo, como é Portugal, o importante é o passado. As pessoas contam histórias sobre o passado, vivem do passado, passam o tempo a falar do passado. O temas públicos versam sobre o passado (v.g., "Onde é que vamos pôr os ossos do Eça de Queirós?") e sobre aquilo que aconteceu, nunca sobre aquilo que vai acontecer ou que pode acontecer. Portugal é uma espécie de Relicário (cf. aqui), na feliz expressão do Joaquim, uma Viana do Castelo ampliada, onde não existe qualquer sentido de futuro, muito menos a crença de que é possível influenciá-lo.

Aos portugueses, as coisas acontecem-lhes, eles não as fazem acontecer.

Nos últimos anos, mais de um milhão de portugueses meteram-se a comprar casa, contraindo empréstimos a taxas de juro variáveis, quando as taxas de juro de referência (euribor) - numa situação nunca vista na era moderna -, se arrastavam à volta de zero. Era uma situação absolutamente excepcional que muitos, tomados pela mais radical imprevidência,  tomaram como se fosse normal.

O desenvolvimento esperado é que as taxas de juro subissem a partir do nível zero para valores mais condizentes com a experiência histórica e a racionalidade económica. Mas, sempre a olhar para o passado, muitos portugueses não quiseram saber do futuro.

De maneira que o aumento das prestações do crédito à habitação, em resultado da subida das taxas de juro, aparece agora como a  tragédia nacional do momento, com a comunicação social a fazer grandes parangonas sobre o assunto, o Governo a anunciar grandiosas políticas para a resolver e a pedir ajuda a Bruxelas como se o país tivesse sido assolado por um terramoto, e os políticos a protestarem contra o BCE por tão inesperada surpresa.

Para mais de um milhão de portugueses e suas famílias é como se a casa lhes tivesse caído em cima.

Não existe nada de mais português. E foi isso que Deus terá querido sinalizar quando permitiu que a casa caísse em cima do único Papa português da História.

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