18 junho 2023

O RELICÁRIO

VIANA DO CASTELO - O RELICÁRIO




O relicário é uma caixa onde se guardam restos - do latim reliquiae – dos Santos, as chamadas relíquias sagradas que são reverenciadas pelos crentes.

Para os forasteiros, Viana do Castelo, por estar repleta de preciosidades (relíquias) arquitetónicas e lugares de deslumbrante beleza, insinua-se na mente como uma espécie de relicário. Um museu ao ar livre que é agradável percorrer de uma ponta à outra da cidade.

Muitas vezes tenho atravessado Viana pela Rua da Bandeira, a mais comprida da cidade, começando pelo Governo Civil, que está no Palácio dos Cunhas, passando pela Praça da República e descendo pela Rua Sacadura Cabral até ao Jardim da Marginal, parando no Café Girassol para um breve descanso.

Neste texto não pretendo desenvolver um ensaio sobre as “relíquias” da cidade, que, “Gratias Deo”, estão todas sob alta autoridade do Estado e onde antes se refastelava a aristocracia hoje tomam-se decisões magnas para o futuro da urbe. Quem pretender um roteiro da cidade tem o magnífico livro do ilustre colega José Crespo, que ainda se consegue obter nos alfarrabistas.

Pretendo, isso sim, transmitir ao paciente leitor, a sensação do ar que aqui se respira. Falar das pessoas, do comércio, da indústria e dos entes públicos que são a alma de Viana – a Câmara Municipal, o Centro de Saúde, a Misericórdia e o Hospital de Santa Luzia, que agora dá pelo nome de ULSAM, não esquecendo também o Instituto Politécnico de Viana, que pela sua aprazível localização é conhecido, nas paródias académicas, como a Universidade da Praia Norte.

Na rua, a primeira impressão é de que só se veem seniores, funcionários públicos reformados dos tais entes a que me referi no parágrafo anterior. A certa altura cheguei a gracejar que a cidade de Viana do Castelo se tinha transformado veramente num Lar da Terceira Idade a Céu Aberto. A minha mulher considerou esta perspetiva um exagero e eu só a invoco na presença dela como picardia.

A meio da manhã as esplanadas são aproveitadas pelos funcionários públicos, que vêm gozar do intervalo que a Lei lhes confere para se cafeinarem. Percebe-se que são uma elite local, pelo saltos altos, calças justas e corpetes arrojados. Os homens mais convencionais e macronizados (de Macron), de fatinho azul e uma irreverente camisa branca sem gravata. Vejo os olhares lânguidos que se trocam e adivinho toques significativos nos ascensores socias.

Diga-se de passagem, que, nos aspecto profissional, Viana é das cidades mais democráticas do País e é possível uma simples cozinheira subir aos andares da administração depois de uma passagem noturna pela Universidade da Praia Norte.

À noite gosto de passear no Jardim e tomar um chá de camomila no Girassol. A Louise já conhece toda a gente e senta-se à mesa como qualquer ser humano, a ver quem passa e como andam vestidos.

Um fenómeno que ainda não consegui compreender é a quantidade de casais que se passeiam de mão dada, demonstrando que, de facto, Viana é a Cidade do Amor.

— Estão a ver como o casamento dura? — E a mulher demonstrando a sua submissão, olhando o parceiro de baixo para cima como um anjinho papudo.

O ar que se respira não é alegre e exuberante, mas contido e resignado. Se perguntasse a alguém se é feliz, imagino a resposta:

— Por que é que havia de estar feliz?

O comércio parece ter parado nos anos 60. Há um número incontável de drogarias, a que chamamos “potravinis” por nos recordarem estabelecimentos que vimos na República Checa. Os comerciantes são simpáticos, mas claro que Viana não é a cidade da euforia.

Quantos dos seniores vianenses não terão já comprado um gavetão na Ordem de S. Francisco e estarão a contabilizar quantas postas de pescada à vianense ainda terão para papar.

Uma palavra, por fim, para os jovens que de vez em quando vêm visitar os avós ao “Lar da Terceira Idade”.

São um produto claramente Tik-Tok, com laivos de Insta e a minha mulher diz que vêm da periferia. São ruidosos, góticos, multicolores e sobretudo tatuados e anilhados. Não se distinguem dos jovens de outras paragens e, portanto, não caracterizam a cidade.

E eis, resumidamente, a minha experiência de uma das mais bonitas cidades do País, cheia de nostalgia pelo passado, mas, na minha humilde opinião, com muito pouco futuro.


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