22 setembro 2023

O Estado-seguradora

Membros do Governo anunciando ontem, em Leiria, o novo pacote de medidas de apoio ao crédito à habitação


No final dos anos 80, eu fazia um comentário semanal sobre Economia na RTP, à sexta-feira de manhã, a partir dos estúdios do Porto.

Eu tinha regressado de um período de vários anos a viver num país capitalista da América do norte - o Canadá - e, nos primeiros anos após o regresso, estava claramente desaculturado do meu próprio país. Na Economia, então, sentia-me como se estivesse  num país do Terceiro Mundo.

Aquilo que caracteriza uma cultura capitalista é, em primeiro lugar, a propensão para o risco das suas populações. Mas como ninguém gosta de perder com o risco, a cultura capitalista é também uma cultura onde existem seguros para tudo. O seguro é o instrumento que o capitalismo criou para as pessoas se protegerem dos riscos da vida.

À medida que o tempo foi passando, eu apercebi-me que volta-não-volta, o lobby dos agricultores portugueses vinha a público pedir dinheiro ao Estado. Tão depressa era por causa das cheias como por causa das secas, a lamúria era a sempre a mesma, havia colheitas que se tinham perdido, e os agricultores reclamavam que o Estado os indemnizasse.

Um dia, resolvi fazer um comentário sobre o tema. O comentário foi contundente, e consistiu basicamente no seguinte. Secas e cheias toda a gente sabe que existem, e os agricultores sabem isso melhor que ninguém. Sendo assim, os agricultores que contratassem seguros de colheita com as companhia de Seguros. Os contribuintes não tinham nada que andar a pagar a sua irreformável imprevidência.

Quando saí para fora do estúdio, a recepcionista disse-me que havia muitos telespectadores a telefonar e que queriam falar comigo. Ainda atendi dois ou três. Eram todos para me insultar.   

Mais tarde concluí que eu e os agricultores estávamos de acordo num ponto. Ambos considerávamos que eram necessários seguros de colheita. Aquilo em que divergíamos era em que eu considerava que eles tinham de pagar um prémio às companhias de seguros, ao passo que aquilo que eles queriam era fazer do Estado uma seguradora e que fossem os contribuintes a pagar por eles.

Quase 40 anos depois já existem seguros de colheita em Portugal embora, naturalmente, continue a haver agricultores que os considerem inadequados e preferissem que fosse o Estado a seguradora (cf. aqui).

Não vão ter muita sorte. É que agora o Estado-seguradora está mais voltado para acudir à imprevidência daqueles que decidiram comprar casa sem terem meios para a pagar. 

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