24 setembro 2023

Investir contra a tendência

 


Dentre as três medidas que o Governo adoptou para mitigar o aumento das prestações do crédito à habitação, só uma vai na boa direcção. Lamentavelmente, é a mais insignificante das três e envolve uma inaceitável interferência com o princípio da liberdade contratual. É aquela que proíbe temporariamente os bancos de cobrarem comissões (cerca de 0,5%) sobre as amortizações dos empréstimos.

A bonificação dos juros subsidia o status quo e a imprevidência daqueles que se meteram a comprar casa sem terem meios para a pagar. Ao mesmo tempo, é um incentivo para aqueles - pertencendo às classes de rendimento mais baixas -, que, não tendo cometido essa imprevidência, a cometam agora. No fim, o Estado estará lá para pagar parte dos juros que eles não podem pagar. 

A mais interessante das medidas anunciadas, sob vários pontos de vista, é aquela em que, para assegurar a estabilidade da prestação mensal, os juros incluídos na prestação mensal ficam agora indexados a 70% da euribor, sendo a parte correspondente à amortização do capital empurrada para o futuro e amortizável a partir do sexto ano (com juros que começam a vencer desde já). 

Políticos e burocratas, a maior parte dos quais vivem de um emprego seguro e com um vencimento certo ao final do mês, que não ousam arriscar nada que seja nas suas vidas profissionais, decidiram tornar-se especuladores nos mercados financeiros e arrastar atrás de si milhões de portugueses. Ainda por cima, e por ironia, socialistas com a sua lendária aversão aos mercados e aos especuladores. 

O êxito desta medida depende criticamente de, nos próximos dois anos, as taxas de juro inverterem a sua tendência de subida e começarem a baixar. Porque, se as taxas de juro continuarem a seguir a tendência de subida nos próximos dois anos, é melhor que os portugueses que consideram aderir a este programa comecem já a deitar as mãos à cabeça.

Não existem regras seguras que permitam aos especuladores em mercados financeiros ou outrs ganharem dinheiro pela certa ou evitar perdas com certeza. A essência da especulação é o risco e, portanto, a incerteza. Aquilo que existe são algumas regras falíveis mas que a experiência consagrou porque quem as seguiu no passado acertou mais vezes do que aquelas em que falhou.

Uma das mais básicas é a regra "The trend is your friend" que significa muito simplesmente "Não invista contra a tendência do mercado". Ora, é precisamente isso que os nossos governantes decidiram fazer - apostar contra a tendência.

As taxas de juro têm vindo a subir, mas os nosso governantes socialistas, feitos especuladores, decidiram apostar que, dentro dos próximos dois anos, elas vão começar a cair. Para quem alguma vez especulou nos mercados financeiros, eles propuseram-se o mais difícil dos exercícios especulativos - adivinhar o pico do mercado.  

Os mercados financeiros têm tendência para exagerar de um lado e do outro. As taxas de juro estiveram durante cerca de uma década a níveis artificialmente baixos e próximos de zero. É bem provável que estejam no caminho para se manterem por longos anos a níveis artificialmente elevados, muito acima dos seus níveis actuais. E isto será tanto mais provável quanto a inflação se mantiver alta. Se a inflação se mantiver entre 6% e 8% é bem possível que dentro de poucos anos, as taxas de juro cheguem aos 10%. 

Para além de um seguro sobre taxas de juro, que ainda não existe em Portugal, a única forma de matar ou atenuar o risco de subida das taxas de juro é amortizar o empréstimo. Não existe outra. Possíveis incentivos do Governo à amortização do capital são bem vindos. O resto é folclore.

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