30 agosto 2023

O Chega e o Tribunal Constitucional (6)

(Continuação daqui)

   



6. Um alegre passatempo


São os seguintes os acórdãos proferidos somente nos últimos nove meses pelo Tribunal Constitucional em resultado de queixas apresentadas pela militante nº 3 do Chega, Fernanda Isabel Marques Lopes, contra o seu próprio Partido:


520/23870/2023Plen.Partido Político17.08.2023Cons. Teles Pereira
504/23293/233ª SecçãoPartido Político11.07.2023Cons. Carlos Carvalho
476/23481/232ª SecçãoPartido Político07.07.2023Cons. Mariana Canotilho
373/23945/222ª SecçãoPartido Político07.06.2023Cons. Assunção Raimundo
194/231124/22Plen.Recurso18.04.2023Cons. Mariana Canotilho
845/221085/221ª SecçãoPartido Político20.12.2022Cons. Pedro Machete
724/22835/223ª SecçãoPartido Político03.11.2022Cons. Joana Fernandes Costa

Dir-se-ia que a este ritmo, por acção da sua militante nº 3, em breve o Chega tomará conta do Tribunal Constitucional, muito antes de se concretizar um resultado bem pior para o Partido e que se desenha no horizonte, que é o de o Tribunal Constitucional tomar conta do Chega. 

Não foi, porém, em nenhum destes acórdãos que o Tribunal Constitucional conheceu a militante nº 3 do Chega. Isso aconteceu no já longínquo acórdão 218/2019 de que foi relator o juiz Cláudio Monteiro que aprovou o Partido Chega a pedido de vários militantes fundadores, incluindo o militante nº 1, André Ventura, e a militante nº 3, Fernanda Marques Lopes (cf. aqui).

A partir daí, estes dois militantes ter-se-ão incompatibilizado e a militante nº 3 passou a fazer oposição ao partido e ao seu presidente através de uma estratégia que é comum nos advogados, e que se chama bullying judicial, a qual tem todos os contornos de uma actividade criminosa e que consiste em perseguir alguém através de processos judiciais. 

Trata-se, neste caso, de apresentar queixas contra o Chega, abrir processos e impugnar decisões por tudo e por nada, quer internamente junto dos órgãos do Partido, como o Conselho de Jurisdição Nacional, quer externamente junto dos tribunais nacionais, como o Tribunal Constitucional.

Até 2022, o Tribunal Constitucional não se teria metido nestes assuntos de andar a dirimir conflitos entre membros dos partidos, substituindo-se aos seus órgãos jurisdicionais, e servindo de instrumento de oposição interna aos órgãos partidários devidamente eleitos. 

Pelo contrário, cumpria de forma rotineira a sua própria jurisprudência de intervenção mínima na vida interna dos partidos, ao mesmo tempo que, entre outras coisas,  procedia passivamente à anotação das alterações estatutárias que os partidos lhe enviavam para registo.

A partir de 2022 tudo mudou.

E tudo mudou porque o Chega em Janeiro desse ano se tornou o terceiro maior partido do país, elegendo 12 deputados à Assembleia da República.

Por esta altura, era já razoavelmente claro que a militante nº 3 não estava nada interessada em mudar o curso do Partido, caso em que já teria tido tempo para apresentar uma lista concorrente à Direcção, mas somente em destruir o Partido, segundo o lema: "Se o Chega não é para mim, então não será para ninguém".   

A este lema, e pela mesma altura, respondiam os homens e mulheres-de-mão do PS, PSD e PCP no Tribunal Constitucional, com um lema ainda mais radical: "O Chega não será para ninguém". 

Tinha-se juntado a fome com a vontade de comer, e tudo era encorajado pelo próprio sistema. 

O Tribunal Constitucional factura mais de dois mil euros aos cidadãos por cada acórdão que produz, a título de custas judiciais. Porém, quando estão envolvidos partidos políticos, a lei estabelece que os acórdãos são gratuitos, estando isentos de custas. 

De maneira que para a militante Fernanda Marques Lopes, que já de si mesma é advogada de profissão, apresentar queixas contra o Chega no Tribunal Constitucional tornou-se um alegre passatempo. A este alegre passatempo, o Tribunal Constitucional respondeu com igual alegria.

Por exemplo, no acórdão 504/2023 em que o Chega é condenado a anular a sua Convenção de Janeiro, uma das ilegalidades invocadas pela militante nº 3 é a de que a Convenção Nacional foi convocada pela "Mesa Nacional", que não é um órgão do Partido, mas o nome de um programa televisivo onde aparentemente se ensinam adolescentes a cozinhar tripas à moda do Porto. Diz ela:

12º

Ora, não só a convocatória foi efetuada por um órgão inexistente denominado por "Mesa Nacional", vício de forma que se alega, para todos os devidos efeitos legais,

13º

Que nem sabe como assina, dado que existem, nos Estatutos, a "Mesa do Congresso" e a "Mesa do Conselho Nacional",

14º

Inexistindo qualquer órgão chamado "Mesa Nacional” sendo esse o nome de uma famosa rubrica televisiva de gastronomia nacional.


É neste tipo de brincadeiras que anda entretida a militante nº 3 do Chega e os meritíssimos juízes do Tribunal Constitucional e que são objecto dos seus "doutos acórdãos".

No espaço de menos de um ano, por acção desta militante, o Chega já teve acórdãos para todos os gostos e feitios e relatados por todos os representantes dos seus adversários políticos no Tribunal Constitucional: Joana Costa (PS), Assunção Raimundo (PS), Pedro Machete (PSD), Carlos Carvalho (Ind.), Teles Pereira (PSD), cabendo a distinção a Mariana Canotilho (PCP), que foi relatora de dois acórdãos relativos ao Chega.

As coisas chegaram ao ponto de no passado mês de Julho, separados apenas por quatro dias, o Tribunal Constitucional ter proferido dois acórdãos sobre o Chega, sendo em ambos reclamante Fernanda Marques Lopes. Num deles, a militante nº 3 pedia ao TC que fosse anulada a eleição para os órgãos nacionais do Partido realizada na V Convenção Nacional que teve lugar em Santarém no mês de Janeiro. O objectivo era o de deslegitimar (mais uma vez) André Ventura como presidente do Partido.

Mas, para o caso deste tiro falhar - como falhou (acórdão 476/23 da 2ª Secção do TC) -, a militante nº 3 disparou outro tiro quase em simultâneo. Neste outro processo,  que é praticamente um copy paste do anterior, Fernanda Marques Lopes pedia ao TC que fosse anulada a convocatória dessa Convenção e os assuntos nela tratados, o que ia dar ao mesmo - anular a eleição de André Ventura como presidente do Partido.

Este tiro acertou em cheio (acórdão 504/23 da 3ª Secção). E não foi de certeza por o presidente do TC ter sido o orientador da tese de mestrado da militante número 3 do Chega. Foi mera coincidência. Que credibilidade académica restaria ao presidente do TC se chumbasse um processo feito pela sua própria discípula? No fim, como está escrito no Livro, "As árvores julgam-se pelos seus frutos".


Fernanda Marques Lopes e o Tribunal Constitucional decidiram jogar o jogo do "tiro ao prato" em que o prato é o André Ventura. E o jogo parece não ter fim porque o Tribunal Constitucional oferece gratuitamente os pratos (como referido acima, estes processos no TC estão isentos de custas) e, provavelmente, orientação para os disparos ("Se disparares para sul falhas, se disparares para norte acertas"). 

Através da infame inversão de jurisprudência denunciada pelo juiz Afonso Patrão (PSD) na declaração de voto apensa ao acórdão 504/2022, o Tribunal Constitucional, sob o impulso da militante nº 3 do Chega e da gratuitidade dos processos, abriu uma caixa de pandora, que é a de se propôr dirimir conflitos internos entre os militantes dos partidos. 

Ainda hoje deram entrada no TC dois recursos pedindo a proibição da candidatura do Chega às eleições regionais da Madeira, com fundamento no acórdão 520/2023. Um dos autores é militante do Chega e o outro, presidente do Partido ADN, é ex-militante do Chega (cf. aqui). Quer dizer, o TC anda agora a decidir sobre ajustes de contas dentro do Partido, alguns bastante antigos.   

Esta "jurisprudência" acabará por paralisar todos os partidos como está a paralisar o Chega. Mas depois de paralisar definitivamente o Chega e até acabar com ele, é provável que o Tribunal Constitucional decida voltar à sua jurisprudência original de interferência mínima na vida interna dos partidos, caso contrário os seus juízes estarão, segundo a expressão popular, "a cuspir na própria mão que lhes dá de comer". E isso eles não vão querer fazer.


(Continua acolá)

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