(Continuação daqui)
5. O batoteiro-chefe
Os processos dão entrada no Tribunal Constitucional pelo gabinete do seu presidente, e assim aconteceu com o processo nº 870/2023 relativo ao Chega que deu origem ao acórdão 504/2023 da 3ª Secção (cf. aqui) - o qual, entre outras coisas, anulou a Convenção Nacional do Partido realizada em Santarém no passado mês de Janeiro -, e ao acórdão 520/2023 do Plenário (cf. aqui) que confirmou essa decisão.
O presidente do Tribunal Constitucional é, actualmente, o juiz José João Abrantes que, obviamente, não é juiz nenhum, mas um político activo do PS, um boy de cabelo grisalho, que foi membro do governo de José Sócrates e que é dado como muito próximo da máquina socialista (cf. aqui) e do próprio primeiro-ministro.
O Tribunal Constitucional tem três secções (cf. aqui) e, nos termos da Lei que o regula, no seu artº 39º (cf. aqui), compete ao presidente do TC presidir à distribuição dos processos que dão entrada no Tribunal pelas suas respectivas secções.
Então, e não é que o processo do Chega foi distribuído pelo presidente Abrantes a uma secção (a 3ª), de que ele também é presidente? Foi uma distribuição de presidente para presidente. Para quem estivesse interessado em manter o processo do Chega junto de si para melhor o controlar e influenciar, o presidente Abrantes tinha dado o primeiro passo.
E que passo. Um voto a favor da condenação do Chega estava já garantido, e não era nada pouco. Como a 3ª Secção tem cinco juízes e são precisos três votos para formar maioria, um terço ou 33% dos votos necessários para condenar o Chega ficavam assim garantidos. Olhando em retrospectiva, através deste passe de mágica em que o presidente Abrantes distribuiu o processo à sua própria Secção, a condenação do Chega começava a desenhar-se no horizonte com bastante clareza.
O juiz José João Abrantes não é juiz nenhum, mas é um político com alguma experiência. De maneira que, se o propósito era condenar o Chega, não convinha que ele próprio ou o PS se expusessem em demasia. E foi assim que, dentro da 3ª Secção, o presidente Abrantes distribuiu o processo a um juiz do PSD, Afonso Patrão, que seria o seu relator.
Acontece que, em breve, o juiz Afonso Patrão terá percebido a tendência que se desenhava dentro da 3ª Secção para condenar o Chega, envolvendo uma grossa e ilegítima intervenção do Tribunal Constitucional na vida interna do Chega, em clara violação do princípio da intervenção mínima na vida interna dos partidos que o TC sempre tinha seguido até ali. Esta posição, ele deixaria expressa na sua declaração de voto de vencido apensa ao acórdão 504/2023 da 3ª Secção.
O juiz Afonso Patrão renunciou então ao seu lugar de relator, o qual terá sido entregue pelo presidente Abrantes ao juiz Carlos Medeiros de Carvalho, que é o único, entre os juízes do TC que, tendo sido cooptado, se apresenta com o estatuto de independente (cf. aqui), mas que deverá ser um "independente do PS" ou um "independente do PSD" (mais provavelmente, o primeiro caso), porque ninguém entra no TC sem a aprovação destes dois partidos.
O estatuto de independente do juiz Carlos Carvalho, acrescido do facto de ele ser um verdadeiro juiz (do Supremo Tribunal Administrativo) daria um certo ar de imparcialidade à decisão. O acórdão condenatório do Chega acabou por ser aprovado com os votos a favor do juiz-relator, da juíza Joana Costa (PS), do juiz João Carlos Loureiro (PSD) e, naturalmente, do juiz-presidente Abrantes (PS), com o voto contra do juiz Afonso Patrão (PSD).
As condições de um processo justo e equitativo são definidas pelo artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (cf. aqui), a que Portugal está subordinado, e as duas mais importantes são as de que o Tribunal tem de ser independente e imparcial. Independência (face ao poder político) e imparcialidade são os dois atributos mais importantes da justiça democrática.
Ora, o Tribunal Constitucional não é nem independente (os seus juízes são nomeados pelo poder político) nem imparcial, pois coloca mandatários do PS, do PSD e até do PCP a julgar o Chega, que é adversário político de todos eles.
Este é portanto um processo batoteiro onde falham os atributos essenciais da justiça democrática. Mas para acompanhar a batota até ao fim, é altura de regressar ao processo do Chega junto do TC e continuar a observar a conduta discreta, mas sempre presente, do presidente Abrantes, que vai acompanhar o processo até ao fim.
O Chega recorreu do acórdão 504/2023 da 3ª Secção para o Plenário do Tribunal Constitucional. A decisão do Plenário, proferida a 17 de Agosto, confirmou a condenação do Chega e a anulação da sua Convenção Nacional realizada em Janeiro em Santarém.
O Tribunal Constitucional, que normalmente demora meses, às vezes anos, a tomar decisões, neste caso decidiu em menos de um mês com o propósito mais ou menos óbvio de criar problemas ao Chega na sua candidatura às eleições regionais da Madeira, como veio a acontecer (cf. aqui).
Para além da pressa, existiam dois outros factores estranhos na decisão deste Plenário. O primeiro é que, embora o Tribunal Constitucional tenha 13 juízes, só sete estiveram presentes no Plenário, e a decisão condenatória do Chega foi tomada pela margem mínima de 4-3 (cf. aqui, últimas linhas).
Onde é que andariam os outros seis juízes, onde é que eles se teriam metido?
O segundo factor, que é, à primeira vista, ainda mais estranho, talvez ajude a explicar este mistério. A Lei do Tribunal Constitucional (cf. aqui, artº 43º) determina que os juízes tenham férias entre 15 de Agosto e 14 de Setembro. Ora, a decisão do Plenário tem data de 17 de Agosto, altura em que, por lei, os juízes já deviam estar de férias, e alguns já estavam, daí a sua ausência.
Existe um regime especial de turnos durante o Verão que permite ao Plenário do TC funcionar com apenas sete dos seus membros (cf. aqui). Não deixa de ser curioso, porém, que o processo do Chega tenha sido apreciado num Plenário reduzido a metade e num turno em que o juiz José João Abrantes estava de serviço.
Desde que o processo entrou no Tribunal Constitucional pelo seu próprio gabinete de presidente até á condenação final do Chega em Plenário, incluindo a passagem pela 3ª Secção que proferiu a condenação de primeira instância e de que ele também é presidente, o presidente Abrantes nunca o largou, esteve sempre junto dele, acompanhou-o permanentemente, não fosse ele fugir-lhe das mãos, até se certificar que o Chega seria condenado. Como aconteceu.
Um bom missionário leva sempre a sua missão até ao fim.
(Continua acolá)
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