(Continuação daqui)
4. Um caralho de um acórdão
O acórdão do Tribunal Constitucional sobre o Chega que este mês produziu grandes parangonas na comunicação social, para gáudio dos seus adversários e inimigos, criando até a expectativa de que o Partido não poderia concorrer às eleições regionais da Madeira, é o acórdão 520/2023 (cf. aqui) de que é relator o juiz José Teles Pereira (PSD).
Quem olha para o acórdão fica de olhos esbugalhados perante a sua extensão, imaginando o número e a complexidade das questões levantadas sobre o Chega que são postas à alta consideração do Plenário de juízes do Tribunal Constitucional, criando a necessidade de respostas igualmente complexas, de argumentos rebuscados e de um rigoroso formalismo, de palavras inusitadas e citações frequentes, enfim, daquilo a que se poderia chamar com toda a propriedade um "douto acórdão".
A primeira questão que me proponho neste post é a de avaliar o acórdão. Para o efeito, farei uso da mais popular das interjeições portuguesas - especialmente no Norte, de onde escrevo -, que tem a vantagem de ser perfeitamente ambivalente, permitindo uma certa economia de meios, uma vez que tanto pode ser usada para engrandecer uma pessoa ou uma coisa como para a apoucar (cf. aqui).
A minha questão, é pois, a seguinte: o acórdão 520/2023 do Plenário do Tribunal Constitucional, de que é relator o juiz José Teles Pereira, é um acórdão do caralho ou um caralho de um acórdão?
À primeira vista e pelas razões já expostas, aparenta ser um acórdão do caralho redigido por um juiz que, em representação dos seus pares, parece estar mais próximo de Deus do que dos homens, de tal maneira o acórdão é ininteligível ao cidadão comum.
Porém, o caso muda de figura quando se pergunta: "O que é que se pretendia decidir neste acórdão?"
A resposta é simples.
O Tribunal Constitucional está divido em secções (cf. aqui). A 3ª Secção inclui e é presidida pelo próprio presidente do Tribunal Constitucional, José João Abrantes, um "juiz" dado como muito próximo da máquina socialista e do próprio primeiro-ministro e que já fez parte de governos socialistas (cf. aqui).
Por razões que não se conseguem descortinar, o processo relativo ao Chega foi distribuído precisamente a esta Secção do TC. Num acórdão de Julho que, por maioria de razão, fez grandes parangonas nos jornais, os juízes desta secção do TC anularam a Convenção Nacional do Chega realizada em Santarém em Janeiro deste ano e todas as decisões aí tomadas.
Trata-se do acórdão 504/2023 (cf. aqui). Este acórdão foi aprovado com os votos a favor dos juízes Carlos Medeiros de Carvalho, João Carlos Loureiro, Joana Costa e do presidente, José João Abrantes, e o voto contra do juiz Afonso Patrão. Inconformado, o Chega recorreu para o Plenário do Tribunal Constitucional pedindo a sua revogação.
É neste momento que é preciso voltar ao acórdão de Agosto, do Plenário do TC, de que é relator o juiz Teles Pereira. Aquilo que estava em causa no Plenário era então uma questão bastante simples e de resposta Sim ou Não: "O Plenário do TC mantém ou não mantém o acórdão 504/2023 da sua 3ª Secção?".
A decisão foi Sim, o Plenário, por maioria, manteve o acórdão 504/2023 que anulava a Convenção Nacional do Chega. Dir-se-ia que o relato desta decisão caberia em duas linhas "O Tribunal Constitucional, reunido em Plenário em tantos do tal, decidiu manter o acórdão 504/2023 da sua 3ª Secção", seguindo-se a assinatura dos juízes e eventuais declarações de voto.
Mas, então, porquê toda aquela verborreia do juiz Teles Pereira no acórdão 520/2023 para dizer aquilo que se podia dizer em duas linhas apenas? (A maior parte é copy paste de outros acórdãos, principalmente do acórdão recorrido).
A primeira resposta que ocorre ao espírito de um economista é que ninguém aceitaria pagar bastantes milhares de euros por mês de ordenado, mais extras, aos juízes do Tribunal Constitucional, mais uma reforma dourada, para eles produzirem acórdãos de duas linhas. Mas a razão principal é outra e tem que ver com a tradição verborreica da justiça portuguesa.
A verborreia serve, é certo, para aparentar trabalho, mas serve sobretudo para desviar a atenção do assunto principal, baralhar as ideias, confundir o principal com o acessório, criar a ideia de uma complexidade que não existe, ofuscar o espírito e, no limite, fazer as pessoas desistir da leitura e do exercício das suas próprias faculdades críticas, induzindo-as à conclusão de que o assunto é para especialistas e não para simples mortais.
Nada disto, obviamente, tem lugar numa sociedade democrática e muito menos numa instituição, como é o Tribunal Constitucional, que se apresenta como o guardião da democracia e o defensor da transparência democrática.
Na tradição do Direito português, a verborreia serve para esconder a injustiça, a batota e a trapaça. É esse também o fim da verborreia exibida pelo juiz Teles Pereira na redacção do acórdão 520/2023 - esconder a injustiça, a batota e a trapaça que são cometidas sobre o Chega, agora no Plenário do Tribunal Constitucional, como antes tinham sido na sua 3ª secção.
É que o acórdão 520/2023 do Plenário vem juntar uma peça essencial de informação ao acórdão 504/2023 da 3ª Secção. Aqui, foi só o juiz Afonso Patrão a dizer que o Tribunal Constitucional estava a fazer batota, quando escreveu, na sua declaração de voto de vencido (cf. aqui):
"2. A posição que fez vencimento materializa uma inversão da jurisprudência deste Tribunal (Acórdãos nºs. 533/2022, 539/2022, 677/2022, 471/2023 3 832/2022, este último tirado em plenário, por unanimidade)".
Quer dizer, quando chegou a vez do Chega as regras do jogo foram mudadas.
Porém, no Plenário houve mais dois juízes que juntaram a sua voz à do juiz Afonso Patrão para dizer que houve batota. Vale a pena reproduzir (cf. aqui, ênfases meus):
"Lisboa, 17 de agosto de 2023 - José Teles Pereira (Revendo a minha posição, pelas razões constantes do Acórdão). - Gonçalo Almeida Ribeiro - António José da Ascensão Ramos voto vencido de acordo com a declaração de voto do Senhor Conselheiro Afonso Patrão aposta no acórdão nº 504/23. - José Eduardo Figueiredo Dias (Vencido, por não considerar estarem esgotados os meios internos do Partido, pelas razões contidas, no essencial, na declaração de voto de vencido do Conselheiro Afonso Patrão, aposta ao Acórdão nº. 504/23) - Afonso Patrão (vencido nos termos da Declaração de Voto aposta ao Acórdão nº 504/2023) - José João Abrantes - O relator atesta o voto de conformidade do Conselheiro Carlos Medeiros de Carvalho, que participou por via telemática. José Teles Pereira"
Estas três vozes não foram suficientes e a trapaça triunfou.
(Continua acolá)
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