19 agosto 2023

A Adega de Manuel Pinho (5)

 (Continuação daqui)


5. O mistério das garrafas desaparecidas




A notícia do Correio da Manhã era peremptória (cf. aqui): tinham sido apreendidas cerca de 300 garrafas de vinhos e espumantes franceses e esvaziada a Adega de Manuel Pinho. 

Mas, dias depois, quando foi elaborado o relatório oficial do assalto à casa de Manuel Pinho pelo Ministério Público, a que a revista Visão teve acesso, só tinham sido inventariadas 81 garrafas. Vale a pena reproduzir (cf. aqui):

 "Em matéria de apreensões, a diligência serviu para recolher serigrafias de diversos autores, um saco de golfe, uma máquina de Pinhal e 81 garrafas de vinho. O inventário revela que o antigo ministro da Economia tem um gosto diversificado, desde a região do Douro (Quinta do Vale Meão, VT08, Quinta do Sagrado), passando por Espanha (Herederos deu Marqués de Riscal, Matilda Nieves, Vida Zorzal), França (Domies-Agrassac, Henri Dubois Champagne, Chateaux Forcas Dupré), entre outros".

"A lista completa: Almeirim Inglaterra.Soplo Rafael Cambra.La Forcalla de Antonis.Chateau Pomies -Agassac. Samsara Priorat. Finca La Montesa.Valminor. Vina Zorzal.Quinta Monte D’Oiro.Jose Pariente. Muga. Sensacionante. Cubio.Altos de Torona. Naia. La Caprichosa. Eya. Bianco Toscano.Louis Perdrier. Blanc de Blancs.Markus Molitor.Quinta da Lapa Reserva.Bensi Sercardi.Jose Pariente.Lindes de Remelluri. Tascante. Mara. Vina Zorzal. Soalheiro Grant. Palacio de Primavera.Vina Zorzal.Lindes de Remelluri. Quinta Vale do Meao. Planeta/Cometa. Precure. Orben. Pata Negra.Matilda Nieves.Quinta Vale Meao. Domies-Agrassac.Quinta da Lapa.Tesch.Henri Dubois Champagne.Henri Dubois ChampagneBruto Rose.Belle-Vue.Prelude.Chateau Forcas Dupre. Quinta do Noval.Quinta Vale Dona Maria. Chassag-Montranchel. Finca Azaya. Petit Chablis.Bret Brothers. Soalheiro. Maçanita. Champagne Pol Roger.GHMUMM.Pena el Gato.Domaine de BeamRenard. Soalheiro/Alvarinho. Mara.Granja Amareleja. VT08.VT06.Herederos Del Marques de Riscal. Quinta do Sagrado.Ponte.Jose Pariente".


Foi aberto um novo processo no DCIAP (mais um) para se apurar o paradeiro das 219 garrafas desaparecidas, a cargo de um magistrado que oferecia todas as garantias de isenção porque era um reconhecido abstémio.

Aquilo que começou por se apurar é que no próprio dia do assalto à adega de Manuel Pinho, as 300 garrafas de vinho e champanhe foram transportadas para Lisboa numa camioneta de caixa aberta contratada a um candongueiro dos arredores de Braga, de nome Francisco, conhecido por não passar recibos pelos serviços de transporte que prestava.

Segundo as declarações do motorista Francisco, na viagem de Gondizalves (Braga) para Lisboa, que durou cerca de 5 horas, o magistrado Casimiro veio sentado ao  seu lado e só por duas vezes lhe dirigiu a palavra. 

Passou todo o tempo a ver televisão pelo telemóvel, já que os diferentes canais de TV não se cansavam de reportar nesse dia o heroico assalto que ele comandara à casa do ex-ministro da Economia. 

À passagem pela área de serviço de Santarém, ainda segundo o motorista Francisco, o magistrado Casimiro já tinha emborcado mais de meia garrafa de Glenfiddich que trazia dentro da pasta juntamente com os papeis dos mandatos de busca e das ordens de arresto.

A primeira vez que o magistrado Casimiro dirigiu a palavra ao senhor Francisco foi já na A1, por alturas de Aveiro, para lhe perguntar se não queria comprar um apartamentozito em Palmela, um T3 com vista para o mar, numa bela zona residencial sem ciganos, em estado quase novo, construído em 1958, porque os filhos tinham saído de casa e ele queria vender aquele apartamento e comprar outro mais pequeno para juntar ao pé-de-meia.

-E o IMI?

perguntou o senhor Francisco.

-Isso arranja-se... tenho um amigo que é especialista nisso... arquivei-lhe uns processos...

-E quanto é que o senhor magistrado quer pelo apartamentozinho?

-Por ser para si... para aí uns três milhõezitos...

-Ahahahah... senhor magistrado... está um bocadinho fora de conta... a minha mulher sofre muito com o ar do mar...

disse o senhor Francisco a sorrir.

A segunda vez que o magistrado Casimiro tirou os olhos do telemóvel foi no fim de uma reportagem da SIC sobre o assalto à casa do ex-ministro Pinho, já na Segunda Circular, à entrada de Lisboa, quando emborcou o último gole de Glenfiddich e, metendo a garrafa na pasta, já só restava meio decilitro, piscou o olho ao senhor Francisco e disse:

-Este restinho é para dar à minha cadelinha quando chegar a casa... 

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