(Continuação daqui)
6. "Se há-de ir para os porcos..."
Quando a camioneta conduzida pelo senhor Francisco, tendo ao lado o magistrado Casimiro, estacionou junto ao nº 213 da Rua Gomes Freire em Lisboa, onde se encontra a sede do DCIAP, foi recebida em apoteose pelos magistrados em serviço neste departamento do Ministério Público.
Nunca um assalto, nem mesmo nos tempos da Inquisição, tinha sido conduzido com tanta legalidade. Mas aquilo que mais entusiasmava os magistrados do DCIAP não era tanto a legalidade, mas o produto do assalto. Quantos, na sua vida inteira, tinham alguma vez visto um Quinta do Vale Meão, colheita de 1947, um Chassao-Montrachel, um Finca La Montesa, um Pena El Gato ou um champanhe Henri Dubois?
Ao sair da camioneta, agradecendo a recepção apoteótica por parte dos seus colegas, o magistrado Casimiro tropeçou e estatelou-se no chão. Mas levantou-se rapidamente e, ao mesmo tempo que dava ordens aos seus colegas para não se aproximarem da carga antes dele falar com o juiz - nomeando o senhor Francisco como polícia - , ele próprio examinou algumas garrafas e escolheu uma cujo depósito, devido às más condições do transporte, turvara ligeiramente o vinho. Era um Quinta do Noval, colheita de 1964.
Foi esta garrafa que ele levou à presença do juiz-de-instrução que estava de turno nessa tarde:
-Carlos, pá ... este vinho vai-se estragar todo... não temos condições para guardar esta merda...
O juiz levantou-se num ápice, pegou na garrafa, examinou cuidadosamente o conteúdo, e disse:
-Tens razão, Casimiro... esta porcaria vai-se estragar toda...
Juiz e magistrado ficaram então em silêncio a olhar um para o outro, o juiz de garrafa na mão.
-Trouxe uma carga de 300 garrafas... o que fazemos?,
perguntou o magistrado Casimiro com a voz bastante mais turva do que o vinho.
O juiz Carlos tinha sido criado num meio rural, que os seus próprios colegas nunca lhe fizeram esquecer (cf. aqui), com fortes referências culturais à pecuária.
Ficou a pensar por uns instantes, acariciando a garrafa e fixando o magistrado Casimiro, cujos olhos pareciam saltar das órbitas. Finalmente, respondeu:
-Bom... Casimiro... nesse caso... se há-de ir para os porcos...
Foi o que o magistrado Casimiro quis ouvir. Pegou a garrafa das mãos do juiz, tirou um saca-rolhas do bolso direito do casaco, foi buscar dois copos confiscados a uma cristalaria que falira fraudulentamente na semana anterior, e foi assim que desapareceu a primeira garrafa roubada da Adega do ex-ministro Manuel Pinho.
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