27 julho 2023

O assalto (4)

 (Continuação daqui)


4. Em democracia, arresto é roubo



A Operação Picoas, que é o nome oficial dado ao assalto a Armando Pereira e Hernâni Antunes, contemplou o arresto de milhões de euros em bens dos empresários (v.g., carros, contas bancárias, um helicóptero).

Nenhum dos empresários foi condenado por coisa nenhuma, na realidade, nem sequer foram ainda julgados. Aquilo que existe são meras suspeitas, baseadas em indícios (que provam frequentemente ser falsos) de que terão lesado o Estado e a Altice em muitos milhões de euros.

É neste momento que entra o arresto dos seus bens. 

Para estar certo que, no caso de serem condenados, restituirão ao Estado (e à Altice) aquilo que lhe é devido, o Estado, através do Ministério Público, apropria-se já de uma parte substancial dos seus respectivos patrimónios. O arresto é uma pena preventiva, que possui a mesma natureza da prisão preventiva (a que também ficaram sujeitos) e que é aplicada sem qualquer condenação e antes de qualquer julgamento.

"No caso de serem condenados..." É aqui que reside o problema.

O arresto (tal como a prisão preventiva) baseia-se na presunção de que os arguidos serão condenados. Ora, o princípio da presunção de culpabilidade é um princípio típico dos sistemas ditatoriais de justiça, como era a Inquisição que vigorou durante séculos em Portugal e que ainda vigora no nosso sistema de justiça penal. Não é difícil imaginar a crueldade deste principio em que, com base em meras suspeitas, frequentemente inventadas, uma pessoa era arbitrariamente privada da sua liberdade e dos seus bens. 

Em democracia, o princípio da presunção de culpabilidade é considerado uma grave injustiça, vigorando, em seu lugar,  o princípio oposto - o princípio da presunção de inocência, que está consagrado no artº 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa (cf. aqui).

Ora, à luz do princípio democrático da presunção de inocência e da Constituição, o arresto dos bens dos empresários Armando Pereira e Vaz Antunes não é uma medida de justiça, mas um crime - o crime de roubo.

Estamos de volta à célebre frase de Santo Agostinho, segundo a qual, "Um Estado que não se reja pela justiça converte-se num grande bando de ladrões".

Será necessário voltar a dizer quem são os chefes do bando?


(Continua)

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