07 dezembro 2022

Um juiz do Supremo (154)

 (Continuação daqui)



154. A táctica dos corruptos

Praticamente em todos os acórdãos em que está envolvido o juiz Marcolino aparece uma lista de processos por difamação que ele pôs contra terceiros, acompanhados dos respectivos pedidos de indemnização cível que frequentemente, no total, ascendem aos milhões de euros.

O mais recente acórdão que tenho vindo a citar - um acórdão do TRL de Dezembro de 2019 (cf. aqui) - não é excepção:

a) Contra o Sr. Bastonário da Ordem dos Advogados pretende uma indemnização de um milhão de euros (cfr. doc. de fls 3159 a 3248);
b) Contra a R. pretende obter a indemnização de um milhão de euros (cfr. fls 1 a 62);
c) Contra o Sr. Eng.º MFA… pretende obter a indemnização de cento e cinquenta mil euros (cfr. doc. de fls 3433 a 3457);
d) Contra o Sr. JB… pretende obter a indemnização de cinquenta mil euros (cfr. doc. de fls 3467 a 3480) - (Por referência ao artigo 42º do 2.º articulado superveniente);

Desde 2007 que o Conselho da Europa, que tutela o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), vem sugerindo aos países membros, como Portugal, que descriminalizem a difamação (cf. aqui). 

A razão é que a difamação é a táctica dos corruptos contra aqueles que os denunciam, uma variante do princípio táctico segundo o qual "a melhor defesa é o ataque".

Num dos processos citados no acórdão, o juiz Marcolino pede uma indemnização de um milhão de euros ao bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho e Pinto, e a sua condenação por difamação agravada, a qual comporta uma pena de prisão que pode ir até três anos.

Aquilo que Marinho e Pinto fez foi dizer num programa de televisão que existia um inspector judicial em Bragança que avaliava os juízes que julgavam casos em que o próprio inspector era parte, todos com pedidos de indemnização cível ascendendo a vários milhares de euros, e que essa era uma situação intolerável. Os tribunais viriam a dar tudo isto como provado e até o TEDH, em francês - como se o português já não bastasse -, também deu tudo isso como provado (cf. aqui).

Não obstante ser tudo verdade,  Marinho e Pinto foi alvo de um processo por difamação do juiz Marcolino. 

Noutro caso célebre, quando o juiz soube que um traficante de droga, Jaime Luciano Rodrigues, havia declarado perante o FBI que o chefe do grupo, Duarte Lagarelhos lhe insinuava que era protegido por um juiz de Bragança, chamado Marehlino, o juiz Marcolino nem perdeu tempo, e pôs a cada um deles um processo por difamação agravada com pedidos de indemnização cível. Jaime Luciano acabou condenado a dez meses de prisão (pena suspensa) e 25 mil euros de indemnização; quanto a Duarte Lagarelhos, o juiz Marcolino desistiu do processo (cf. aqui).

Em todos os casos, a ideia é intimidar e calar imediatamente quem denuncia. Nem mais uma palavra sobre o assunto, sob pena de o denunciante ir parar à prisão e ficar arruinado. 

Em Portugal, ignorando a recomendação do Conselho da Europa, não só o crime de difamação continua no Código Penal (artº 180º), como o crime é considerado mais grave - e a difamação passa a ser agravada - se for cometido contra uma figura pública, como um juiz, um advogado, um funcionário público, até um professor.

Quer dizer, enquanto a jurisprudência do TEDH - e a recomendação do Conselho da Europa (cf. aqui, parágrafo 17.6) - diz que a honra das figuras públicas deve estar mais exposta ao escrutínio democrático e, portanto, ser menos protegida - precisamente porque as figuras públicas, lidando com assuntos e dinheiros do Estado, são mais propensas a cometer actos corruptos -, a legislação portuguesa faz exactamente o contrário, protegendo de forma acrescida as figuras públicas e escancarando as portas à corrupção.

Provavelmente ninguém, em Portugal, se tem aproveitado tanto disto como o juiz Marcolino.


(Continua acolá)

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