(Continuação daqui)
153. Uma cultura de paradoxos
Por entre as múltiplas quezílias judiciais em que o juiz Marcolino anda permanentemente envolvido com todo o tipo de pessoas, a mais intensa e duradoura foi, sem dúvida, com a sua colega, a juíza Paula Sá. Dessa quezília, que deu origem a muitas decisões judiciais ao longo de mais de dez anos, tenho vindo a citar sobretudo de um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (cf. aqui) e de dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (cf. aqui e aqui).
Tudo começou em 2010 quando o juiz Marcolino, na qualidade de inspector judicial, pôs três processos disciplinares em cadeia contra esta juíza do Tribunal de Famalicão, levando à sua suspensão pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM) pelo período de oito meses, com perda de vencimento e prejuízo sério para a sua carreira profissional. A juíza recorreu perante o CSM e o STJ, mas não foi atendida.
Foi este sentimento da injustiça que levou a juíza (e o marido, seu advogado) a desencadear uma série de processos no CSM e nos tribunais contra o juiz Marcolino, acusando-o, em primeiro lugar, de não reunir condições de isenção para ser inspector judicial, nem sequer juiz.
No final, a questão: Quem tinha razão, o juiz Marcolino ou a sua colega Paula Sá?
A resposta é: a juíza Paula Sá. O mais alto tribunal que se pronunciou sobre o assunto, que foi o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, deu razão à juíza contra o inspector Marcolino, o CSM e o STJ. Tinha sido violado o artº 6º, nº 1, da CEDH, que consagra o direito a um processo equitativo (justo). A juíza Paula Sá tinha sido vítima de uma forma de justiça inquisitorial, uma justiça secreta, inaceitável à luz de critérios democráticos (cf. aqui).
Pelo caminho, lavou-se muita "roupa suja" nos tribunais portugueses e a principal vítima foi o juiz Marcolino. Passou a ser mais que óbvio que a vida pública do juiz Marcolino, na sua dimensão empresarial, associativa, cívica, política e até judicial o tornavam absolutamente inapto para ser juiz. Na realidade, aquilo que essa vida pública indiciava, e noutros casos conclusivamente provava, é que ele era um criminoso.
E só a leniência dos juízes a julgarem-se a si próprios, patente nos acórdãos que tenho vindo a citar, evitou remeterem o juiz Marcolino para o Ministério Público onde, para além de outros, os indícios dos crimes de prevaricação (utilização de funções públicas para benefício próprio) e de enriquecimento ilícito são recorrentes.
Foi a leniência dos seus colegas de profissão, aliada ao atrevimento do juiz e à permissividade dos seus concidadãos, que tornou possível este paradoxo na cultura católica dos portugueses, que é uma cultura de paradoxos - um juiz-criminoso, ainda por cima, agora no Supremo Tribunal de Justiça.
Eis alguns factos que o Tribunal admite que o juiz Marcolino pode ter cometido. Retiro do acórdão da Relação de Lisboa, secção "factos que não foram dados como provados", nºos 157 a 167 (cf. aqui), onde a dupla negativa equivale a aceitar a possibilidade da positiva (ex: "Não ficou provado que F. não estivesse em Coimbra" significa que "Existe a possibilidade de F. ter estado em Coimbra").
Eis, pois, aquilo que o Tribunal admite que o juiz Marcolino possa ter feito:
a) Que o A. tenha decidido uma ação de despejo contra um agente da PSP. ;
b) Que o A., em consequência de um despejo por si ordenado, tenha ganho, de forma direta ou indireta, designadamente por intermédio da empresa de que sua mulher era sócia, €100.000 (cem mil euros) ou qualquer outra quantia;
c) Que a esposa do A. tenha sido ‘testa de ferro’ em negócios;
d) Que o agente da PSP, reformado, tenha recusado negociar a sua saída de um prédio com uma imobiliária, da qual a mulher do A. fazia parte;
e) Que o A. tenha despejado o reformado da PSP com o pretexto de que “o antigo polícia tinha a sua morada oficial registada noutra freguesia”;
f) Que o A. tenha ganho no prédio 100 mil euros ou qualquer outra quantia;
g) Que o A. tenha decidido ‘por favor’, em benefício de quem quer que seja;
h) Que o A. ganho seja o que for por hipotéticos “favores prestados”;
i) Que o A. tenha estado envolvido em “negócios de compra e venda de prédios, na Rua 5 de Outubro e na Av. das Forças Armadas, ambos em Bragança”;
j) Que o A. tenha ganho cerca de seis mil euros no prédio da Rua 5 de Outubro;
k) Que o A. tenha ganho dez mil euros no prédio da Av. das Forças Armadas.
(Continua acolá)
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