(Continuação daqui)
59. Leniência
No âmbito da Economia da Criminalidade Legal (cf. aqui), uma das questões mais interessantes consiste em saber como é que um juiz criminoso consegue chegar a juiz do Supremo.
Os economistas explicam os comportamentos humanos pela ponderação entre os seus benefícios e os seus custos esperados, pelo que a questão anterior pode reformular-se assim: "Por que é que é tão barato (ou fácil) para um juiz criminoso chegar a juiz do Supremo?"
A resposta é leniência - a brandura com que os juízes se julgam uns aos outros.
Exemplificarei com o juiz Marcolino e com um episódio - que está longe de ser único -, na sua longa e variada carreira criminal.
No célebre episódio em que o juiz Marcolino se fez nomear inspector judicial em Bragança, em cujo tribunal corriam oito processos judiciais, todos com pedidos de indemnização cível, em que ele era o queixoso (cf. aqui e aqui), o juiz cometeu o crime de extorsão (cf. aqui).
Qualquer cidadão que tivesse feito aquilo que ele fez -, pressionar ou condicionar uma pessoa para que esta, sob a ameaça da força, extraia dinheiro a outra em seu próprio benefício -, seguia directamente para a prisão, que é a pena prevista para o crime de extorsão no Código Penal (um crime que também é penalizado na forma tentada).
Porém, quando o Conselho Superior da Magistratura (CSM) julgou o juiz Marcolino, em nenhum momento se falou em crime. Aquilo que houve, aos olhos do CSM, foi uma mera falta disciplinar, o juiz faltou ao dever de lealdade por não ter informado o CSM que tinha processos pendentes no Tribunal de Bragança nos quais era parte interessada.
Quando um outro inspector nomeado pelo CSM foi inspeccionar aquilo que se passava com o inspector Marcolino em Bragança, descobriu que dois juízes já tinham pedido escusa para fugir à pressão do juiz Marcolino e um outro já tinha decidido um processo envolvendo uma indemnização de 25 mil euros a favor do juiz Marcolino.
E, perante este benefício de 25 mil euros obtido desta forma, que pena aplicou o CSM ao juiz Marcolino - prisão, expulsão da magistratura?
Não. Dez dias de multa (isto é, cortou-lhe dez dias no vencimento), o que, na altura, corresponderia a cerca de mil euros.
O crime do juiz Marcolino representou um excelente investimento, pagou mil euros para receber 25 mil, com o benefício acrescido de o custo do investimento só ter sido pago depois de receber o retorno - um caso em que o investimento se pagou com o pêlo do próprio cão.
A leniência dos juízes a julgarem-se uns aos outros encoraja a criminalidade judicial. Por isso, depois, passa a ser essencialmente uma questão de tempo ou de antiguidade até que um juiz criminoso chegue a juiz do Supremo.
(Continua acolá)
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