24 outubro 2022

Um juiz do Supremo (46)

 (Continuação daqui)

Nesta foto de 2010, o juiz Noronha do Nascimento, então presidente do STJ e do CSM, dá posse ao juiz Francisco Marcolino como inspector judicial. Em breve, o juiz Marcolino viria a utilizar o cargo para enriquecer (cf. aqui). Mas um dos casos mais paradigmáticos de criminalidade legal em Portugal foi protagonizado pelo próprio juiz Noronha do Nascimento que, de um só golpe, enriqueceu em 60 mil euros meramente com a honra (cf. aqui e aqui)


46. Criminalidade Legal


Eu sou o autor e o cultor neste blogue de um novo campo da ciência económica chamado Economia da Criminalidade Legal (ECL).

Este campo da Economia ocupa-se a explicar e prever os comportamentos humanos que, utilizando o sistema de justiça e respeitando todas as leis, geram valor para o seu autor, mesmo tratando-se de comportamentos que são, por natureza, criminosos, e que levariam à cadeia qualquer cidadão comum. Em síntese, todas as leis são cumpridas mas, no fim, há crime e alguém enriquece.

O principal domínio da criminalidade legal é constituído pelos chamados crimes contra a honra (difamação, injúria, calúnia) e os seus autores preferenciais são os chamados insiders do sistema de justiça - juízes, procuradores do ministério público, advogados e ainda políticos, a maior parte dos quais são juristas.

Nos crimes contra a honra, o ofendido acusa terceiros por lhe terem ofendido a honra e, pelo caminho, exige uma indemnização para lhe reparar a honra ofendida, e é por esta via que enriquece. Neste tipo de criminalidade legal, enriquece-se com a honra, que é uma forma original de enriquecer.

A jurisprudência que se aplica a Portugal é, nestes casos, e desde 1978, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), o ano em que Portugal aderiu à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). Esta jurisprudência faz prevalecer o direito à liberdade de expressão sobre o direito à honra e, no caso de figuras públicas (como são todas as que foram citadas em cima) ou de questões de interesse público (como é, por exemplo, a discussão sobre a idoneidade pessoal e profissional de um juiz do Supremo), essa prevalência é praticamente total. A liberdade de expressão nestes casos só é limitada pela necessidade de prevenir situações de comoção social (v.g., pânico público, incitamento à violência).

Nestes casos, quando os tribunais portugueses indevidamente atribuem uma indemnização ao ofendido, e o réu reclama para o TEDH, este condena o Estado português considerando que não houve crime nenhum de ofensa, mas mero exercício do direito à liberdade de expressão. O TEDH obriga então o Estado português a ressarcir o réu das indemnizações e outras despesas que pagou. O ofendido fica com o dinheiro que lhe foi pago pelo réu e acaba, assim, a enriquecer indevidamente à custa do povo português (ou do réu no caso deste não ter recorrido para o TEDH).

Para ilustrar em que consiste o novo domínio da Economia da Criminalidade Legal, utilizarei o caso do juiz Francisco Marcolino, recentemente promovido a juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, como um paradigma do criminoso legal.   

Não deve ser fácil encontrar alguém em Portugal que utilize mais vezes o sistema de justiça para enriquecimento próprio do que o juiz Francisco Marcolino - o que, tratando-se de um agente público, configura imediatamente o crime de prevaricação. Mas este nem sequer é o principal crime cometido pelo juiz Marcolino nos casos em que, de forma efectiva ou tentada, enriquece através do sistema de justiça. O principal é o crime de extorsão.

O juiz Marcolino, ao longo da sua carreira, tem posto processos judiciais, a propósito de tudo e de nada e contra quem lhe aparece pela frente. Somente à sua colega, juíza Paula Sá e seus próximos, ele já pôs mais de vinte, embora ele diga que foram apenas dez. Todos para defesa da honra, acrescenta a juíza (cf. aqui). 

Mas o juiz não põe processos apenas à sua colega juíza nem apenas por causa da honra, embora esta seja a razão principal. O juiz põe processos a jornalistas, a jornais, a presidentes de câmara, às próprias câmaras municipais, a traficantes de droga, ao irmão mais novo, a bastonários de ordens profissionais, à madrasta, a médicos, a psicólogos, a advogados, a funcionárias do registo civil, ao próprio Estado português, que é o seu empregador, a lista é sem fim. Os motivos, para além da honra, também são variados - aviões, vinganças, heranças, represálias, a lista é também sem fim.

Aquilo que há de comum em todos os processos judiciais postos pelo juiz Marcolino é um pedido de indemnização - isso é que é sagrado.

Aos olhos de um economista, quem põe processos judiciais assim em série há-de ter uma expectativa de ganho muito superior aos custos de colocar os processos. A expectativa de ganho são as indemnizações pedidas, e se é certo que, em algumas situações, essas expectativas saem goradas - como naquele caso em que o juiz pediu um milhão de euros de indemnização pela sua honra ofendida (cf. aqui) -, noutras o êxito é obtido, seja porque o juiz que decide o caso ignora a jurisprudência do TEDH (cf. aqui) seja porque o próprio juiz Marcolino o pressiona a decidir a seu favor (cf. aqui), caso em que o enriquecimento é certo (cf. aqui).

Os custos de pôr processos judiciais é que hão-de ser pequenos para o juiz Marcolino, caso contrário não se conseguiria explicar a profusão de processos que ele põe contra terceiros, a esmagadora maioria sem qualquer mérito visível.

E são?

São. Existem duas componentes do custo de pôr um processo judicial. A primeira consiste nas chamadas custas judiciais. Ora, nos termos do Estatuto dos Magistrados Judiciais, os juízes estão isentos de custas judiciais, e por este privilégio se começa a perceber por que é que o juiz  Francisco Marcolino se tornou uma espécie de maníaco processual. 

A segunda são os custos com advogados, e aqui a questão é verdadeiramente intrigante, senão mesmo alarmante. Ao ler e reler um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça envolvendo o juiz Marcolino (referido como assistente, participante, queixoso ou simplesmente CC), a propósito da sua honra, e que tenho citado várias vezes (cf. aqui), um dos parágrafos que mais me chamou a atenção foi este, em que o advogado da juíza Paula Sá a defende do juiz Marcolino nos seguintes termos:

110º Nem tão-pouco [a ré, Paula Sá] tem necessidade de contratar os mais conhecidos escritórios de Advogados para patrocínio da sua honra, pois que a defesa desta nunca demandou tamanha lavoura.

Ora, o vencimento de juiz não permite ao juiz Marcolino contratar os mais conhecidos escritórios de advogados a torto e a direito tendo em conta a quantidade de processos que ele põe contra pessoas e instituições. Ficaria arruinado.

A menos que os mais conhecidos escritórios de advogados lhe façam o trabalho de borla, caso em que, aos olhos de um economista, fica perfeitamente explicada a obsessão do juiz Marcolino em pôr processos judiciais a todos quantos lhe aparecem pela frente. 

Sem pagar custas judiciais e sem pagar aos advogados, os processos ficam-lhe de borla. Assim sendo, tudo o que vier à rede - em termos de indemnizações - é peixe. E fica tudo explicado.

Esta conclusão levanta, porém, uma questão:

-Como é que o juiz Marcolino retribui esses favores aos "mais conhecidos escritórios de advogados"?

Só de imaginar a resposta até se fica arrepiado.


Nota: Um caso de criminalidade legal está hoje nas notícias, envolvendo  os juízes do Tribunal Constitucional: cf. aqui


(Continua acolá)

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