15 agosto 2022

O sexo, o juiz e a igreja (IV)

(Continuação daqui)


IV. Sexo com menores - o homem do cardeal


As inovações sociais chegam a Portugal normalmente com 20 a 30 anos de atraso, e isso tem os seus benefícios. Quando chegam, já está tudo dito acerca delas, já se conhecem as suas vantagens e  os seus inconvenientes e até dá tempo aos portugueses para se prepararem para os seus perigos.

Aconteceu assim com a questão dos abusos sexuais na Igreja que surgiu nos EUA em 2002 depois de uma investigação levada a cabo pelo jornal Boston Globe e que em breve se estenderia a países como a Austrália, o Canadá, a Alemanha, e mais recentemente a outros, como a Inglaterra e a França.

À distância de 20 anos, e com tantos exemplos pelo caminho, a  Igreja Católica portuguesa teve tempo para se preparar para o que aí vinha e uma das suas estratégias de defesa foi verdadeiramente original. Consistiu em promover, dentro da sua hierarquia, um juiz de um tribunal superior do país para dar a sensação de que tudo era legal, uma estratégia popularmente conhecida por atirar poeira para os olhos

D. Manuel Clemente, o cardeal patriarca de Lisboa, e responsável máximo da Igreja Católica em Portugal não está livre das acusações (cf. aqui) que foram feitas ao seu colega inglês, o cardeal de Westminster, Vincent Nichols, e a sua defesa não vai ser nada fácil. 

Na realidade, como acreditar que ele não conhecia a cultura da sua própria casa que, entre muitas coisas boas, também inclui o abuso sexual sistémico de crianças e adolescentes?  Que chefe é este que não conhece a casa em que viveu praticamente toda a sua vida e onde percorreu todos os escalões da hierarquia até chegar ao topo?

À distância de vários anos, a defesa de D. Manuel Clemente não se afigurava nada fácil - como hoje se está a ver - e um juiz metido no assunto, entre o sexo e a igreja, daria bastante jeito. Um juiz do Supremo seria o ideal, mas se não se conseguisse arranjar, que fosse um  juiz da Relação.

E assim se fez. Antes de ser cardeal patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente tinha sido Bispo do Porto. E foi do Tribunal da Relação do Porto que trouxe o juiz (cf. aqui, 1ª secção criminal).

Pela mão de D. Manuel Clemente, o juiz ascendeu a presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz (cf. aqui), um órgão laical da Conferência Episcopal Portuguesa; a juiz do Tribunal Patriarcal de Lisboa (cf. aqui); e a membro da Comissão Permanente do Conselho Pastoral Diocesano de Lisboa (cf. aqui), tornando-se um verdadeiro homem do cardeal. As portas da Agência Ecclesia - a agência noticiosa da Igreja Católica -, ficaram escancaradas para o juiz, que passou a ser um autêntico porta-voz do cardeal.

Quando, recentemente, o cardeal foi acusado de esconder um caso de pedofilia na Igreja, o juiz saiu imediatamente a terreiro na sua  qualidade de presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz para defender o cardeal (cf. aqui).

Dias depois, na Rádio Renascença, voltou a defender o cardeal, mas agora na sua qualidade de juiz do Tribunal Patriarcal de Lisboa (cf. aqui).

Logo a seguir, veio defender o cardeal como membro da Comissão Permanente do Conselho Pastoral Diocesamo de Lisboa (cf. aqui)

Ainda todas estas defesas estavam quentes na opinião pública, e eis que o juiz aparece outra vez a defender o cardeal, agora como vogal da Direcção da Associação dos Juristas Católicos (cf. aqui).

O juiz é chefe da redacção da revista Cidade Nova (cf. aqui), o órgão oficial do Movimento dos Focolares, uma seita protestante dentro da Igreja Católica. Espera-se para breve um editorial do juiz em defesa do cardeal.

O juiz também é presidente da Assembleia Geral da associação "O Ninho" (cf. aqui), uma associação ligada à Igreja Católica (cf. aqui) que, alegadamente, se dedica à protecção de prostitutas, ao preço de meio milhão de euros ao ano, pagos através de subsídios do Estado. 

Ninguém deve ficar surpreendido se, um dia destes, o juiz organizar uma manifestação de prostitutas para defender o cardeal porque, onde está o juiz e a igreja, mais cedo ou mais tarde aparece também  o sexo para completar a trilogia.

(Continua)

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