No livro "Église - La mecanique du silence", citado em baixo (cf. aqui), os autores interrogam-se sobre se o escândalo maior - maior ainda que os abusos sexuais de crianças - não será a cultura de encobrimento que permite que os abusos acabem por se tornar sistémicos na Igreja.
A tradição de encobrimento da Igreja Católica não é de hoje, mas de sempre e não se aplica apenas aos abusos sexuais sobre menores. Pretendendo passar uma imagem de santidade, a Igreja tem de esconder todo o mal que existe dentro de si. A cultura católica é, em boa parte, uma cultura de aparências, e esta cultura foi passada aos países sobre os quais a Igreja Católica teve uma influência decisiva, como é o caso de Portugal.
Esta tradição de encobrimento e a sua mecânica do silêncio tem variantes segundo os tempos e os lugares. Uma versão portuguesa manifesta-se no Patriarcado de Lisboa, cujo líder é D. Manuel Clemente, e assume uma nuance curiosa.
Convém relembrar que D. Manuel Clemente foi o primeiro visado na recente onda de imputações de encobrimento na Igreja, e hoje a comunicação social volta a imputar-lhe um novo caso de encobrimento (cf. aqui). Ontem, D. Manuel Clemente terá oferecido a sua resignação ao Papa, que não a aceitou (cf. aqui).
É a seguinte a composição do Tribunal Patriarcal de Lisboa (cf. aqui):
Juízes Diocesanos
Cónego Doutor Manuel Alves Lourenço
Dr. Pedro Maria Godinho Vaz Patto
Cónego Dr. Francisco José Tito Espinheira
Cónego Dr. Jorge Manuel Tomaz Dias
Padre Dr. Gonçalo Reis Fernandes
Padre Dr. Luís Cláudio Ferreira dos Santos
Padre Dr. Alberto Manuel Pego Matos Gomes
Padre Dr. António Manuel de Nóbrega Figueira
Cónego Dr. Paulo César Serralheiro Franco
Padre Dr. Paulo Ricardo Rodrigues Pires
A pergunta que imediatamente ocorre é a seguinte: O que estará a fazer um leigo no meio dos padres, ainda por cima sendo juiz num tribunal superior do país - o Tribunal da Relação do Porto (cf. aqui, 1ª secção criminal). Acresce que o juiz é do Porto e serve no Tribunal Patriarcal de Lisboa. Que necessidade terá D. Manuel Clemente de o ter tão perto de si?
A resposta parece óbvia. Está a dar credibilidade, em termos da justiça estatal ou do Estado de Direito, às decisões do Tribunal Patriarcal de Lisboa (TPL).
Se o TPL não punir um padre pedófilo, ou o punir com uma pena suave, ou tiver conhecimento de casos de pedofilia na área do Patriarcado e não os reportar às autoridades civis, a presença de um juiz assegura que está tudo legal - e não se fala mais no assunto.
A inovação é, pois, que na versão lisboeta, a mecânica do silêncio envolve não apenas padres, mas também um juiz de um alto tribunal do país. É o poder judicial português a branquear os crimes de pedofilia cometidos na Igreja.
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