04 junho 2021

Case-study: actualização (3)

 (Continuação daqui)


3. As comissões


Quando eu pronunciei o comentário televisivo em Maio de 2015 (cf. aqui), que deu origem ao processo judicial, eu sabia apenas que uma facção do PSD, liderada pelo Paulo Rangel, e abrigada no escritório do Porto da sociedade de advogados Cuatrecasas, queria parar a obra. 

Mas eu não sabia o motivo e, por isso, em nenhum momento do meu comentário, eu especulo sobre o motivo. Havia duas hipóteses.

Uma era ideológica. O Paulo Rangel tinha perdido as eleições para a liderança do PSD para o então primeiro-ministro Passos Coelho, o Paulo Rangel representando a facção mais socialista do PSD (hoje liderada por Rui Rio) e Passos Coelho a mais liberal. Poderia tratar-se de oposição interna, tanto mais que o governo de Passos Coelho via aquela obra mecenática com simpatia.

A outra era económica. Na qualidade de presidente da Associação Joãozinho eu tinha entregue a obra a um consórcio de duas construtoras que se ofereceram para a fazer oferecendo várias contribuições mecenáticas. O preço fixado no contrato de empreitada viria a ser de 20,2 milhões de euros e cada uma das construtoras assinou um contrato de mecenato com a Associação Joãozinho comprometendo-se a doar 35 mil euros por ano durante dez anos, num total de 700 mil euros, contratos que eu me preparava para descontar na banca. A obra iria ficar, portanto, por cerca de 19,5 milhões de euros.

É certo que no momento em que a obra foi parada por virtude de um documento produzido pela Cuatrecasas, o qual eu viria a qualificar de "palhaçada jurídica", um amigo meu, com muito mais idade e experiência do que eu, explicou a paragem da obra, dizendo-me "O Pedro Arroja não lhes pagou as comissões..." (cf. aqui), mas também isso, na altura, não passava de pura especulação.

Hoje, passados seis anos, terei a resposta sobre o que terá levado o Paulo Rangel e os seus colegas do PSD a querer parar a obra e, em caso afirmativo, que motivo terá sido -  ideológico ou económico?

Sim, tenho a resposta. Foi interesse económico. A obra acabou por ir parar a uma empresa amiga do PSD  (cf. aqui, aqui e aqui).

A administração do Hospital de São João teve até a possibilidade de assumir a posição da Associação Joãozinho no contrato de empreitada que estava assinado com o consórcio original e pagar os referidos 20,2 milhões pela obra, tanto mais que o consórcio já a tinha iniciado e a Associação já tinha pago os trabalhos iniciais. Mas rejeitou e foi assinar um novo contrato de empreitada com a nova construtora, amiga do PSD, pelo preço de 26,7 milhões de euros (cf. aqui).

Em retrospectiva, compreende-se que o meu comentário televisivo tenha sido uma ofensa para o PSD e que o PSD tenha mandado para o tribunal de primeira instância de Matosinhos uma verdadeira armada de testemunhas, tudo boys e girls do partido (cf. aqui), embora não se saiba para testemunhar sobre o quê. No fim de contas, os meus crimes tinham sido cometidos na televisão, estavam à vista de todos e, em retrospectiva, podiam resumir-se na sábia frase do meu amigo.

Uma nota final para fazer uma referência ao que se passa em Espanha. A sociedade de advogados Cuatrecasas é a segunda maior sociedade de advogados de Espanha e da Europa Continental. Em Espanha, a Cuatrecasas está ligada ao Partido Popular (PP), que é o partido irmão do PSD, ao qual a Cuatrecasas se encontra ligada em Portugal.

Um grande caso de corrupção envolvendo o financiamento ilegal do PP através da adjudicação de obras públicas a construtoras amigas que depois pagavam as respectivas comissões ao Partido, está a correr no país vizinho (cf. aqui e aqui). O ex-tesoureiro do PP, que é um dos principais arguidos neste processo, já está na prisão por virtude de outro processo, e é lá que vai ficar para os próximos 20 anos (cf. aqui).

Mas isto - o financiamento ilegal dos partidos através da adjudicação de obras públicas - só acontece em Espanha. Em Portugal, não. 

(Continua aqui

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