03 junho 2021

Case-study: actualização (2)

 (Continuação daqui)


2. Pagamento das indemnizações


Ontem transferi para as contas bancárias do eurodeputado Paulo Rangel do PSD e da sociedade de advogados Cuatrecasas, de cujo escritório no Porto ele era director na altura dos factos (2015), em manifesta situação de conflito de interesses entretanto (2019) proibida por lei, os montantes abaixo indicados.

Os montantes pagos destinam-se a reparar a honra do eurodeputado Rangel e a ofensa à sociedade de advogados, por um comentário televisivo (cf. aqui) que deu lugar a uma sentença condenatória do Tribunal da Relação do Porto (cf. aqui). 

Na parte que diz respeito ao crime de difamação agravada ao eurodeputado Rangel, tendo sido absolvido em primeira instância e condenado pela primeira vez na Relação do Porto, o Tribunal Constitucional negou-me o direito ao recurso (para o Supremo) previsto no artº 32º da Constituição. Não houve, portanto, dupla-conforme, fui condenado sem possibilidade de um tribunal superior escrutinar a decisão condenatória do TRP. 

O Supremo Tribunal de Justiça, que nos últimos anos tem seguido estritamente a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) relativa ao conflito entre o direito à liberdade de expressão e o direito à honra - após múltiplas condenações de Portugal neste tribunal europeu -, e apelado aos tribunais inferiores para que façam o mesmo, quase de certeza revogaria por completo o acórdão da Relação do Porto, e eu seria absolvido.

No Tribunal Constitucional, e estando de um lado do processo o eurodeputado Paulo Rangel do PSD, o processo - que teve origem num comentário televisivo envolvendo uma forte crítica ao PSD - foi distribuído a uma "juíza" de apelido Rangel (Maria José Rangel de Mesquita) que foi nomeada para este Tribunal pelo próprio PSD (cf. aqui). 

O direito constitucional ao recurso foi-me negado no acórdão 646/2020 (cf. aqui) em que é relatora a "juíza" Rangel, meses depois de o  mesmo Tribunal Constitucional, no acórdão 31/2020 (cf. aqui), ter reconhecido esse direito a quatro cidadãos portugueses [guardas da GNR] que estavam na mesma situação que eu - tinham sido condenados inovadoramente na Relação em pena de multa (mais indemnizações) depois de terem sido absolvidos em primeira instância.

O juiz-relator na Relação do Porto, Pedro Vaz Patto, um activista político e religioso, é colega do eurodeputado Paulo Rangel na Associação "O Ninho" (cf. aqui), e são ambos companheiros de causas políticas, como na luta contra a eutanásia. O outro juiz que desempatou a decisão, Francisco Marcolino, é o presidente da 1ª secção criminal do TRP (cf. aqui). Ambos os juízes ignoraram ostensivamente a jurisprudência do TEDH, apesar da declaração de protesto da sua colega Paula Guerreiro, que votou vencida (cf. aqui).

O juiz Francisco Marcolino é militante do PS e já foi candidato por este partido à Câmara de Bragança (cf. aqui). O juiz Marcolino é, talvez, o campeão dos processos por difamação em Portugal, à custa dos quais  terá enriquecido o suficiente ao ponto de comprar um avião. Em breve, o avião do juiz chegava a tribunal (cf. aqui), servindo-lhe para pôr um processo judicial ao autarca do PSD que lhe ganhou as eleições, pedindo-lhe umas quantas indemnizações (cf. aqui).

O juiz Francisco Marcolino ficou conhecido por pôr processos por difamação contra pessoas em tribunais onde ele próprio era inspector dos juízes (cf. aqui) (numa mensagem implícita aos juízes: "ou decides a meu favor ou arruíno-te a carreira"), funções das quais viria a ser suspenso pelo Conselho Superior da Magistratura (cf. aqui). O juiz Marcolino chega a pedir indemnizações de um milhão de euros pela honra ofendida, embora nem sempre com sucesso (cf. aqui). 

O advogado que me representa neste processo tem andado, portanto, até recentemente nos tribunais portugueses e, a partir de agora, no TEDH a tentar anular a decisão do TRP pelo facto de o juiz Marcolino (e o seu colega Vaz Patto) ter ignorado a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), que Portugal subscreveu em 1978, e a jurisprudência do TEDH, à qual os tribunais portugueses estão vinculados, e segundo a qual eu não cometi crime nenhum.

Acontece que, recentemente, o juiz Marcolino foi alvo, ele próprio, de um processo por difamação por parte de uma colega sua, a juíza Paula Carvalho e Sá. Ora, o juiz Marcolino, que ignorou a jurisprudência do TEDH para me condenar no TRP por difamação ao eurodeputado Paulo Rangel, anda agora a invocar a jurisprudência do TEDH junto do Supremo Tribunal de Justiça para ele próprio não ser condenado por difamação à sua colega Paula Carvalho e Sá (cf. aqui). E - ironia das ironias - o advogado é o mesmo. 

Vale a pena repisar este ponto porque ele é ilustrativo do extremo a que chegou a corrupção da justiça em Portugal. Eu e o  juiz Marcolino temos o mesmo advogado a representar-nos em processos por difamação. Enquanto meu advogado, o advogado Jorge Ferreira  Alves (cf. aqui) anda a contestar a decisão do juiz Marcolino, que me condenou por difamação no TRP, por ter ignorado a jurisprudência do TEDH. Enquanto advogado do juiz Marcolino, o advogado Jorge Ferreira Alves anda a invocar junto do Supremo a jurisprudência do TEDH para o juiz Marcolino não ser condenado por difamação.

Em suma, para o juiz Marcolino, a CEDH e a jurisprudência do TEDH valem para ele mas não valem para mim. É assim o Estado de Direito em Portugal, tal como interpretado por um juiz-desembargador de um tribunal superior do país. As leis são iguais para todos, embora mais iguais para uns do que para outros, uma variante do adágio popular segundo o qual os socialistas desejam a abundância para todos, desde que seja um de cada vez e eles em primeiro lugar. 

Os montantes que transferi ontem para as contas do eurodeputado Paulo Rangel e da sociedade de advogados Cuatrecasas foram corrigidos por acertos de custas de parte dos processos cíveis relativos a  montantes que já tinham sido depositados no tribunal pelas três partes envolvidas,  determinando acertos a meu favor.

Assim, o eurodeputado Paulo Rangel reclamava de mim uma indemnização de 50 mil euros - a célebre Chapa 50 que em Portugal limpa a honra a políticos, a advogados e também a  juízes (cf. aqui) -, mas o tribunal só lhe concedeu 10 mil (20%). Na parte cível, ele paga, portanto, 80% das custas e eu apenas 20%. A Cuatrecasas também reclamava de mim a Chapa 50, mas o tribunal só lhe concedeu 5 mil euros (10%). Em consequência, eu pago 10% das custas do processo cível e a Cuatrecasas 90%.  

São estes acertos que aparecem nos cálculos a seguir que serviram de base aos pagamentos que ontem efectuei à Cuatrecasas e ao eurodeputado Paulo Rangel: 

Cuatrecasas
-Indemnização: 5.000,00
-Juros (4 anos e 3 meses à taxa de 4%): 17% de 5.000,00 = 850,00
-Custas de parte a pagar: 132,60
-Custas de parte a receber: 1560,60
-Total a pagar: 4.422,00

Paulo Rangel
-Indemnização: 10.000,00
-Juros (idem):  1.700,00
-Custas de parte a pagar: 285,60
-Custas de partes  a receber: 1.713,60
-Total a pagar: 10.272,00

Fico agora a aguardar a notificação do tribunal para pagar a multa de 7 mil euros que me foi fixada pelo TRP e as outras custas judiciais, um total que deverá ascender a cerca de 15 mil euros.

Quando o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem me der razão - Portugal é reiteradamente condenado pelo TEDH em casos como este -, o Estado português será condenando a ressarcir-me de todos estes montantes. Quer dizer, quem me vai pagar aquilo que eu agora paguei, e aquilo que ainda tenho que pagar, serão os contribuintes portugueses. 

O eurodeputado Paulo Rangel e a sociedade de advogados Cuatrecasas (na altura uma célula do PSD no Porto e que, suponho, continua a ser) acabam de enriquecer de modo ilegítimo, provisoriamente à minha custa, mas no fim do processo à custa dos contribuintes portugueses.

(Continua aqui)

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