08 julho 2020

Cinco anos (10)

(Continuação daqui)


10. O "concurso"


-Como é que se organiza um "concurso" para uma obra pública entre catorze empresas, cujo vencedor já está determinado a priori, mas dando a sensação que tudo foi decidido com a maior imparcialidade e obedecendo aos mais rigorosos critérios técnicos (cf. aqui)?

Eu próprio vou colocar-me na posição de organizador deste "concurso".

Começo por enviar a cada uma das empresas convidadas um e-mail contendo o projecto da obra a realizar, pedindo que a empresa apresente uma proposta de preço para esta obra. Acrescento que o critério de decisão será apenas assente no preço e a proposta deve ser enviada por e-mail.

É neste último detalhe, claro, que está o truque. Quando todas as empresas tiverem enviado as suas propostas de preço por e-mail, eu informo a empresa "minha afilhada" dos preço propostos pelas outras, a fim de que ela proponha um preço mais baixo e ganhe o "concurso".

Depois, comunico a todas as empresas concorrentes, também por e-mail, que a empresa que ganhou o concurso foi a empresa X (a minha afilhada) porque apresentou o preço mais baixo.

-Foi assim que a coisa se passou?

-Foi.

Séculos de progresso na regulamentação dos contratos públicos são, aqui, num momento deitados ao lixo, e as regras mais básicas de adjudicação de uma obra pública ostensivamente espezinhadas.

O procedimento adequado nesta situação consistiria em pedir às empresas concorrentes que submetam as suas propostas em envelope lacrado, a fim de proteger a confidencialidade de cada uma das propostas.

No fim, quando todas as propostas tiverem chegado, organiza-se uma sessão com a presença dos representantes de todas as empresas concorrentes, onde os envelopes são abertos à vista de todos e anunciada a empresa vencedora - aquela que apresentou o preço mais baixo.

Porém, quando, em lugar do procedimento consagrado, que é o envelope lacrado, se recorre ao e-mail, a presunção é a de que o alegado "concurso" já tem um vencedor previamente escolhido.

É por isso que, das catorze empresas convidadas, dez nem sequer se deram ao trabalho de responder: "(…) das 14 empresas a quem foi remetido convite, o grupo de trabalho recebeu quatro propostas (…)" (cf. aqui).

O "concurso" era uma palhaçada para dar a aparência de seriedade a uma obra que, desde o início, estava destinada a um amigo do Partido. 


(Continua aqui)

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