15 março 2021

Um grande bando de ladrões (12)

 (Continuação daqui)

"Um Estado que não se regesse
 segundo a justiça, reduzir-se-ia
 a um grande bando de ladrões."
S. Agostinho

12. A justiça dos malfeitores

A tese de S. Agostinho, retomada pelo cardeal Joseph Ratzinger (Papa Emérito Bento XVI) afirma que um Estado que deixou de se guiar pela justiça se transforma num grande bando de ladrões ou numa associação de malfeitores.

Um dos mais antigos princípios de justiça é o princípio da presunção de inocência, segundo o qual uma pessoa é presumida inocente até ser condenada. Este princípio pretende evitar a "justiça dos malfeitores" que consiste em apontar arbitrariamente o dedo a uma pessoa na rua, acusá-la de um crime  e passar à acção directa, ou justiça pelas próprias mãos, espancando-a no local. 

Deste princípio  de justiça decorre uma regra muito importante do processo penal,  que é a de que o ónus da prova recai sobre a acusação. Compete à acusação provar que o réu é um criminoso, e não ao réu provar que está inocente.

Este antigo princípio de justiça é absolutamente ignorado e invertido no "sistema de justiça" português, o qual presume que o réu é culpado até ele ser capaz de provar a sua inocência (algo que, em muitos casos, é impossível de provar - como é que uma pessoa inocente prova um crime inexistente?).

Vale a pena, neste ponto, citar o comunicado do Ministério Público que acompanhou o arresto dos bens da família Espírito Santo no caso BES.

 Segundo o comunicado, o arresto constitui 

"uma garantia patrimonial que visa impedir uma eventual dissipação de bens que ponha em causa, em caso de condenação, o pagamento de quaisquer quantias associadas à prática do crime, nomeadamente a indemnização de lesados ou a perda a favor do Estado de vantagens obtidas com a actividade criminosa"  (cf. aqui, ênfases meus):

Ricardo Salgado está a anos-luz de qualquer condenação, na realidade, uma sentença condenatória transitada em julgado, caso venha a ocorrer pode, segundo os especialistas, estar à distância de 20 anos (cf. aqui). Ricardo Salgado não foi ainda alvo de qualquer julgamento, nem sequer em primeira instância. Na realidade, neste momento, não se sabe ainda se irá sequer a julgamento.

Tudo aquilo que existe  neste momento é uma acusação, feita por uma equipa de procuradores do Ministério Público, chefiada pelo procurador José Ranito a qual, como tantas acusações produzidas pelo Ministério Público, pode ser inteiramente falsa.

Porém, Ricardo Salgado e a sua família são presumidos culpados e o Ministério Público passa imediatamente à acção directa, confiscando-lhe os bens. A julgar pela descrição dos bens confiscados, trata-se de um património considerável (cf. aqui). Um dos maiores patrimónios familiares existentes em Portugal - senão mesmo o maior - passa, desta forma arbitrária e à revelia de um dos mais elementares princípios de justiça, para as mãos do Estado.

E será que um dia o Estado vai devolver o património a Ricardo Salgado ou à sua família?

Ricardo Salgado tem 77 anos de idade e o processo pode estar para durar mais 20 anos. A conclusão inescapável é que Ricardo Salgado vai morrer sem nunca ver uma sentença transitada em julgado que declare a sua inocência, ainda que esteja, de facto, inocente. 

Os bens de Ricardo Salgado e da sua família acabarão inevitavelmente um dia por ser declarados perdidos a favor do Estado. Nesse dia, o roubo que agora começou estará consumado.

Na "justiça dos malfeitores" é assim que se faz. Aponta-se o dedo a uma pessoa, confisca-se-lhe os bens e arranja-se-lhe um processo que nunca mais tem fim. Não seria necessário acrescentar que o manual da "justiça dos malfeitores" em Portugal é o Código do Processo Penal e o seu agente principal o Ministério Público, em conluio com um "juiz" de instrução.

Fica apenas uma questão por responder: "Como é que o Estado retribui os ladrões que assim roubam em seu favor?"

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