(Continuação daqui)
III. Um político disfarçado de juiz
Uma democracia consagra a separação entre o poder político - que inclui os poderes executivo e legislativo - e o poder judicial para que os políticos no poder não possam utilizar o sistema judicial para perseguir os seus adversários políticos.
Por isso, a um juiz está vedado entrar na política e defender causas partidárias na arena política. De forma explícita e implícita o Código de Conduta dos juízes está constantemente a demarcar esta fronteira entre a Justiça e a Política, a qual um juiz não pode ultrapassar.
Porém, ninguém consegue deter o juiz-desembargador Pedro Vaz Patto do Tribunal da Relação do Porto para quem parece não existirem fronteiras. Na imagem, ele discursa num comício à porta do Parlamento, sobre uma camioneta de caixa aberta, contra a eutanásia, vendo-se por perto um antigo deputado do CDS que, juntamente com a facção católica do PSD, são as forças políticas que partilham a mesma posição.
Não apenas o juiz Vaz Patto faz comícios contra a eutanásia como subscreve manifestos no meio de muitos políticos, que parecem ser os seus companheiros preferidos (cf. aqui). Naturalmente, a questão que se levanta é a seguinte: "Mas então, o juiz Vaz Patto não pode ser contra a eutanásia?".
Pode, o que ele não pode é andar a promover essa posição em público porque compromete a sua imparcialidade como juiz e corrompe a justiça: "Se um dia ele tiver de decidir um caso judicial (que pode ser sobre um assunto qualquer, como um caso de partilhas ou de violênca doméstica) entre um adepto da eutanásia (v.g., um deputado do BE) e um adversário da eutanásia (v.g., um deputado do CDS) como é que ele vai decidir - a favor do deputado do CDS?"
É esta dúvida legítima que é fatal para a credibilidade da justiça e a corrompe.
Basta a dúvida, não sendo necessária a certeza para que a Justiça resulte corrompida. O juiz Vaz Patto não necessita de alguma vez ter julgado um caso entre um seu compagnon de route e um seu adversário político para corromper a Justiça. A Justiça fica corrompida pela desconfiança de que ele poderá vir a decidir a favor do seu compagnon de route, independentemente dos méritos da causa sob julgamento.
"Não é reconhecido sequer ao juiz Vaz Patto o pleno direito à liberdade de expressão para se pronunciar publicamente sobre a eutanásia ou outros assuntos de carácter político?"
Também não. O Código de Conduta dos juízes é bem explícito ao limitar o direito à liberdade de expressão dos juízes em defesa da integridade da Justiça. Vale a pena citar o seu Artº 10º, nº 1:
"1. Os magistrados judiciais exercem com prudência e moderação o direito à sua liberdade de expressão, por forma a preservar a confiança dos cidadãos na independência e imparcialidade do poder judicial".
Que confiança se pode ter num juiz, ainda por cima de um tribunal superior, e no sistema de justiça de que ele faz parte, que anda por aí montado em palanques a arengar em comícios como um qualquer político de terceira categoria?
O juiz Vaz Patto não é apenas um militante contra a eutanásia. Ele é também militante contra a liberalização do aborto (cf. aqui), a favor da abolição da prostituição (cf. aqui), contra a liberdade de expressão, não reconhecendo sequer à Assembleia da República a liberdade para se pronunciar sobre certos assuntos, como a eutanásia (cf. aqui). Em suma, ele tem uma agenda política que é a de um conservador radical e de um anti-liberal militante, o perfeito porta-voz da Igreja Católica e do conservadorismo católico, ao ponto do fanatismo.
Como muito bem observou o seu colega Manuel Soares, também juiz desembargador no Tribunal da Relação do Porto e presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), analisando a questão da militância política à luz do "Compromisso Ético dos Juízes Portugueses", que é um Código de Conduta dos juízes membros da ANJP, "militâncias e justiça não casam" (cf. aqui).
Espera-se que um dia algum liberal não caia nas mãos do juiz Vaz Patto porque a presunção é que ele o trucidará no acórdão, independentemente dos méritos da causa que estiver em julgamento. O juiz Vaz Patto parece, de facto, reunir todas as condições para fazer aquilo que a separação de poderes da democracia veio tentar evitar e que a Inquisição fazia de forma perfeita - perseguir adversários políticos utilizando o sistema de justiça. Dificilmente haverá uma tradição mais portuguesa do que esta.
Antes que isso aconteça, se é que não aconteceu já, e agora que está aprovado um Código de Conduta dos juízes, fica a pergunta: "Quando é que o Conselho Superior da Magistratura decide pôr o juiz Vaz Patto na ordem?".
Ele ou é político ou é juiz, as duas coisas ao mesmo tempo é que não pode ser.
Ele corrompe a Justiça.
(Continua)
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