VII. O milagre da urgência
Corria a primavera de 2019 e S. Branquinho andava profundamente triste, senão mesmo deprimido.
O caso não era para menos. Tinha começado a fazer milagres em 2003, na idade de 46 anos. Agora, aos 62, aproximava-se a terceira idade e alguns milagres já tinham prescrito e outros estavam na iminência de prescrever. A este ritmo, ele tinha o receio legítimo de que a Inquisição nunca lhe viesse a reconhecer os milagres durante o seu tempo de vida.
Uma manhã de maio resolveu telefonar ao magistrado António Ventinhas, o chefe do sindicato e um inquisidor temido, a quem chamavam o Terror Disto Tudo, abreviadamente TDT.
-Ventinhas, pá… o Nuno e a Guida nunca mais avançam com o meu processo…
-Desculpa lá... oh Branquinho... mas o pessoal anda todo muito desmotivado…
-Porquê... por vos terem cortado o acesso à internet durante as horas de serviço?...
-Também por isso, pá… mas o pior são os vencimentos...imagina tu, Branquinho... que já não somos aumentados há sete meses!...
-Sete meses!?... E tu não fazes nada, Ventinhas!?…
-Tu é que podias fazer alguma coisa, Branquinho… tu é que fazes milagres...
-Eu!?…
-Sim... podias ver se a PGR declara o processo urgente…
-Eh pá… oh Ventinhas… tem lá paciência, pá… mas esse milagre eu não faço…
-Era a maneira das coisas andarem mais depressa, pá…
-Pois é, pá... mas isso é a corrupção da santidade, carago!… como é que eu vou explicar ao povo que em 2019 o Ministério Público declara urgente um processo aberto em 2014 para investigar milagres ocorridos em 2003!?... Não posso, pá…. é abusar da estupidez do povo, carago!…
-Sem esse milagre…o teu mega-processo... que já tem dez volumes… e pode vir a ter setenta... só se resolve lá para o ano 2084...ainda por cima com esta coisa do covid…
-Eh pá... oh Ventinhas… deixa-te de coisas… o covid é só para o ano, pá…ainda só estamos em 2019...
-Pois, pá… mas a malta aqui antecipou e entrámos de quarentena em Abril de 2018... além disso, a Guida está de licença de maternidade desde maio de 2016... e o Nuno em licença de paternidade desde Outubro de 2014...
Cerca de um ano depois, em pleno verão de 2020, dois dias antes de os procuradores do Ministério Público entrarem nas suas merecidas férias judiciais, que têm a curta duração de 45 dias, a Procuradoria Geral Distrital do Porto enviou para a imprensa um comunicado que levou o jornal Público a escrever assim, pela mão da jornalista Mariana Oliveira:
"Os indícios de fraude fiscal e branqueamento surgiram no âmbito deste inquérito aberto em 2014, na sequência de um grande trabalho do PÚBLICO que explicava as diversas diligências que Branquinho fizera, por exemplo, junto da Administração Regional de Saúde do Norte tentando agilizar o licenciamento do Hospital de São Martinho. Provavelmente porque a maioria dos factos em análise ocorreu entre 2003 e 2007, ou seja, alguns há 17 anos, o processo foi declarado urgente. Foi essa urgência, justificam os procuradores [Nuno Serdoura e Ana Margarida Santos] que os fez avançar com uma parte da acusação e abrir um novo inquérito para continuar a investigar eventuais crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais"
(cf. aqui, p. 13 da edição em papel, ênfases meus)
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