15 maio 2020

O TEDH dará razão ao FCP

A rejeição pelo Tribunal Constitucional (TC) do recurso interposto pelo F.C. Porto para afastar o juiz Eduardo Pires do julgamento de um caso que corre no Tribunal da Relação do Porto, envolvendo o F.C. Porto e o Benfica (cf. aqui), é o exemplo paradigmático da cultura medieval, autoritária, em muitos aspectos inquisitorial, própria de uma sociedade pequena e fechada, que ainda prevalece no sistema de justiça em Portugal.

Esta cultura atávica (cf. aqui) contrasta com a cultura de uma sociedade aberta, democrática, livre  e cosmopolita que é exibida pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) e pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), que é quem tem a última palavra sobre a questão da imparcialidade dos juízes, e para onde o F.C.Porto recorrerá logo que estejam esgotados todos os recursos nacionais.

A fim de esgotar todos os recursos, o F.C. Porto vai agora apresentar uma reclamação ao TC (cf. aqui) onde pede que um colectivo de juízes se pronuncie sobre o assunto (e não apenas um juiz, como sucedeu na decisão sumária). No caso de não obter provimento, o próximo passo é o TEDH.

A história conta-se em poucas palavras. O juiz Eduardo Pires foi sorteado como juiz-relator de um processo envolvendo o Benfica e o F.C. Porto que corre no Tribunal da Relação do Porto (TRP). Sendo um grande adepto do Benfica, dirigiu-se ao presidente do TRP - juiz Ataíde das Neves - dizendo que é sócio do Benfica há mais de 50 anos, que já recebeu a Águia de Ouro e outras coisas assim, e pedindo, em conformidade, escusa do processo.

O juiz Ataíde das Neves indeferiu o pedido. A sua argumentação, já citada neste blogue (cf. aqui), faz-nos recuar quinhentos ou seiscentos anos no tempo e é mais própria de um trovador medieval do que de um juiz. Basicamente diz que um juiz está acima dos pequenos pecadilhos humanos que afectam o homem comum, como o da parcialidade, que é a tendência para decidir a favor dos seus. Na argumentação do juiz Ataíde das Neves, um juiz é, por definição, ou axiomaticamente, imparcial, e foi com base nisso que decidiu manter o juiz Eduardo Pires como relator do caso.

É esta decisão que o F.C. Porto contesta.

Quando o assunto chegar ao TEDH, que decisão vai o TEDH tomar, vai considerar que o juiz Eduardo Pires reúne condições de imparcialidade ou não? Por outras palavras, vai dar razão ao Estado português, na pessoa do presidente do TRP, juiz Ataíde das Neves, que manteve o seu colega no colectivo, ou vai dar razão ao F.C. Porto?

A resposta não oferece qualquer dúvida a quem conheça a jurisprudência do TEDH nesta matéria (cf. aqui, pp. 19 e segs). O TEDH vai considerar que o juiz Eduardo Pires não reúne condições de imparcialidade, dando razão ao F. C. Porto.

De acordo com a jurisprudência do TEDH, para que a imparcialidade de um juiz possa ser posta em causa basta que exista um facto objectivo que, aos olhos do homem comum, suscite uma "dúvida legítima" acerca da imparcialidade do juiz.

Quer dizer, quem decide sobre a imparcialidade do juiz não é a "autoridade" do presidente do TRP, juiz Ataíde das Neves, com base em critérios que são seus e são obviamente subjectivos. Quem decide sobre esta matéria é o julgamento do homem comum e um julgamento que esteja assente em factos objectivos. Ora, estes factos objectivos foi o próprio juiz Eduardo Pires que, muito honestamente, os forneceu - é sócio do Benfica há 50 anos, Águia de Ouro, etc.

E perante quem possa argumentar, como faz o presidente do TRP, que o juiz Eduardo Pires, sendo embora um benfiquista ferrenho, é capaz de pôr o seu sentido profissional de juiz acima das suas paixões clubísticas, ainda assim, o TEDH vai dizer que a presença do juiz no colectivo viola o princípio da imparcialidade do tribunal previsto no art 6º da CEDH.

É que, como diz a jurisprudência, esta é uma situação em que as aparências também contam. Não basta que se faça justiça, é necessário que, aos olhos dos cidadãos, se passe a imagem de que se está a fazer justiça. Ora, o homem comum, que num diferendo entre Benfica e F.C.Porto se apercebe que um juiz é benfiquista, vai presumir que esse juiz decide a favor do Benfica. A imagem da justiça sai tingida pela presença do juiz Eduardo Pires no colectivo.

A jurisprudência aberta e democrática do TEDH sobrepõe-se à jurisprudência de aldeia que prevalece no TRP sobre a imparcialidade dos juízes (cf. aqui).

A cultura judicial atávica do presidente do Tribunal da Relação do Porto, juiz Ataíde das Neves, e que é muito generalizada no sistema de justiça em Portugal, criou aqui um problema que era de todo evitável, com custos para todas as partes e sobretudo para a justiça, que vai demorar mais tempo a ser feita. O juiz Ataíde das Neves surgiu no meio para atrapalhar a justiça. E o Tribunal Constitucional, para já, nada fez para melhorar a situação.

Ninguém que saiba ler a jurisprudência poderá ter dúvidas de que o TEDH dará razão ao F.C. Porto.

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