5. Política e advocacia
Quando, há cinco anos atrás, eu pronunciei o comentário televisivo em que se funda o meu case-study, o eurodeputado Paulo Rangel, além de ser deputado, era também director do escritório do Porto da sociedade de advogados Cuatrecasas, com vários clientes do Estado, entre os quais o Hospital de S. João.
Hoje, cinco anos passados, a situação em que ele então se encontrava - a de ser deputado e, ao mesmo tempo, advogado com clientes do Estado - está proibida por lei. A lei foi aprovada no verão passado pela Assembleia da República, embora com o voto contra do PSD. O Parlamento considerou que aquela situação de conflito de interesses corrompe a democracia.
Porém, se a decisão do Tribunal da Relação do Porto se cumprir (cf. aqui), o eurodeputado Paulo Rangel, protagonizando um caso de corrupção que, entretanto foi proibido por lei, ainda vai receber uma indemnização - dez mil euros mais juros de 4% ao ano, contados a partir de 2015.
O célebre intelectual britânico G.K. Chesterton escreveu um dia que deixou de votar, mesmo na sua ultra-democrática Inglaterra, quando descobriu que alguns deputados pertenciam à maçonaria. Ele votava com base na agenda pública dos deputados. Mas, depois, na volta, os deputados utilizavam o poder público que o voto lhes conferia para andarem a prosseguir agendas secretas. Era mais do que aquilo que Chesterton podia suportar.
Acontece o mesmo quando um deputado, como o Paulo Rangel, ainda por cima pertencente ao partido que estava na altura no poder, utiliza a confiança e a influência pública que os cidadãos depositam nele para alavancar a venda de serviços de advocacia de uma empresa privada como é a Cuatrecasas. Cada vez que ele agia, ficava-se na dúvida se ele estava a promover o interesse público dos portugueses ou os interesses privados da Cuatrecasas.
Desde há muito que este concubinato entre política e advocacia me parecia intolerável e só estava à espera de uma oportunidade para se exprimir contundentemente. Aconteceu nesse dia de maio de 2015.
Nesse dia, eu estava longe de saber que esta questão da incompatibilidade entre política e advocacia era um tema quente de discussão dentro da própria Ordem dos Advogados. E foi com enorme surpresa que só muito recentemente descobri um vídeo de 2011 no Youtube contendo uma violenta discussão entre o então bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho e Pinto, e o próprio deputado Rangel (cf. aqui).
Hoje, olhando em retrospectiva, creio que fui eu, sem o pretender, que em 2015 coloquei um ponto final nessa discussão, pondo-me do lado de Marinho e Pinto e desferindo um golpe fulminante e fatal sobre deputado Rangel e a posição que ele defendia.
Poucos meses depois do meu comentário televisivo, o eurodeputado Paulo Rangel abandonava discretamente a sociedade de advogados Cuatrecasas, nunca mais voltando à advocacia enquanto continua a exercer o seu mandato de deputado europeu.
A lei aprovada na AR no verão passado que não permite aos deputados exercerem advocacia quando têm clientes do Estado não resolve completamente o problema da incompatibilidade entre a política e a advocacia. Mas dá um passo importante nessa direcção.
Se não fosse por outras razões, só por esta o meu case-study já estaria plenamente justificado.
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