14 março 2020

os terroristas de Estado

As acusações produzidas pelo Ministério Público, e validadas por um juiz de instrução, sobre o ex-presidente do Sporting, Bruno de Carvalho, são, sob vários aspectos, o paradigma perfeito de algumas teses que tenho vindo a desenvolver neste blogue ao longo dos últimos anos.

Em Julho, Bruno de Carvalho foi acusado de quase uma centena de crimes relativos ao chamado caso da Academia de Alcochete que, a confirmarem-se, lhe valeriam mais de 20 anos na prisão. A acusação do Ministério Público foi assinada pela procuradora Cândida Vilar e validada pelo juiz-de instrução Carlos Delca (cf. aqui).

Esta semana, no Tribunal de Monsanto, onde o assunto está a ser julgado, o mesmo Ministério Público considerou que, afinal, não havia crime nenhum, e que o ex-presidente do Sporting deveria ser absolvido dos crimes que o próprio MP lhe imputou e que o juiz de instrução validou (cf. aqui).

Eu não sei se já alguém procurou colocar-se  na situação de uma pessoa - e imaginou os custos em que ela incorre (emocionais, reputacionais, familiares, financeiros, etc.) -, que, durante nove meses, está ameaçada de passar o resto da sua vida na prisão com o labéu de terrorista.

Há pessoas que ficam anos nesta situação, acusadas pelo Ministério Público de crimes que não cometeram.

Duas das minhas teses que encontram neste caso o paradigma perfeito são as seguintes:

Primeira, o juiz de instrução não é juiz coisa nenhuma, é um acusador, na realidade, o acusador-chefe (cf. aqui).

Segunda, no tempo do Estado Novo, eram considerados terroristas os oposicionistas ao regime que usavam a violência (v.g., assalto ao Santa Maria, assalto ao Banco de Portugal na Figueira da Foz) e os membros dos movimentos independentistas das colónias. Eram, por assim dizer, terroristas civis.

Com a implantação da democracia em 1974, os terroristas civis praticamente desapareceram, ficando apenas os terroristas de Estado.

Antes, estavam na Pide. Agora, estão no Ministério Público.

Existe uma diferença curiosa. Antes, eram sobretudo homens. Agora, são crescentemente mulheres.

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