11 outubro 2019

O Juiz-Pistoleiro (16)

(Continuação daqui)

O Juiz-Pistoleiro
(Novela)


Cap. 16. De arma na mão



Maria Eufémia dos Coldres tinha adoptado o apelido do marido quando casaram, havia trinta e sete anos. Ainda jovem mãe, ganhou celebridade  na sua cidade natal, por ter liderado um movimento de mulheres conhecido por As mães de Bragança, que chegou a fazer parangonas na imprensa internacional.

Naquele dia saiu de casa decidida a ir comprar cuecas ao marido. O testemunho dela devia chegar, mas não fosse ele ter de se despir em tribunal para mostrar a virilha, e os elásticos das cuecas que tinha já estavam muito gastos. Nos últimos anos, o juiz tinha engordado uns quilitos e os elásticos deram de si.

Nos anos oitenta, os dois filhos do casal eram ainda pequenos, ocorreu uma invasão da cidade por meninas brasileiras trazidas pela democratização e pela liberalização do país.

As brasileiras vieram pôr em alvoroço um meio que era essencialmente pacato. Passeavam-se a toda a hora no centro da cidade, sapato de salto alto, unhas e lábios vermelhos, mostrando as pernas até às coxas, cabelos impecavelmente arranjados, perfumes de Paris, bamboleando as ancas até pôr a cabeça em água ao mais contido dos brigantinos.

O juiz, então em começo de carreira, não foi excepção.

Para os comerciantes da cidade, as meninas brasileiras foram um milagre. Os cabeleireiros estavam cheios de manhã à noite, abriram novas perfumarias e lojas de roupa de mulher por toda a cidade, o aumento do consumo de caipirinha nos bares quadruplicou, o mercado de arrendamento subiu em flecha. Numa das zonas menos concorridas da cidade abriu discretamente uma sex shop onde, em breve, os clientes faziam fila à porta.

O movimento de revolta surgiu quando menos se esperava e teve o juiz Francis dos Coldres como protagonista principal. Um dia, ele julgava no tribunal da cidade uma mulher de 83 anos por violência doméstica. A mulher agredira o marido, cinco anos mais novo, com um sacho por ele se ter envolvido durante três quartos de hora, ao preço de 500 escudos, com uma resplandescente brasileira de 28 anos, chamada Monique, que estava agora entre a assistência na qualidade de testemunha.

Finda a quarta sessão do julgamento, eram vinte para as cinco da tarde, o juiz mandou sair toda a gente da sala de audiências, menos a Monique, porque precisava de se certificar acerca de uns detalhes sobre os seus elementos de identificação.

Às sete e meia o juiz ainda não tinha chegado a casa para jantar. Nesse dia, Maria Eufémia tinha feito um refogado que não podia esperar muito tempo. Às oito, começou a telefonar para todo o lado à procura do marido. Naquela pequena cidade toda a gente se conhecia e ninguém sabia dele.

Maria Eufémia pediu à vizinha que lhe tomasse conta dos filhos e do refogado e meteu pés a caminho para o tribunal, que ficava a dez minutos de distância. Entrou esbaforida pela secretaria onde já só se encontrava o pessoal da limpeza. Foi à sala de reuniões, e só encontrou lá um advogado, em horas extraordinárias, a consultar um processo.

Decidiu, então, ir à sala de audiências número três.  A porta estava trancada, mas ela forçou a entrada, com os nervos que tinha nada nem ninguém a conseguia conter. Abriu a porta e não podia acreditar no que via. Lá dentro estava o marido e a Monique. A Monique sentada ao colo do juiz.

Mais arrepiante para ela foi ver que, sob a toga arregaçada, o marido estava de arma na mão.

No dia seguinte, Maria Eufémia juntou todas as mulheres casadas, entre os 25 e os 85 anos, e organizou o movimento que viria a expulsar da cidade todas as brasileiras, que tivessem entre 18 e 35 anos de idade.

Esta revolta atraiu a imprensa nacional e internacional, que rapidamente invadiu a cidade, em substituição das brasileiras, para apurar o que se tinha passado. O verdadeiro diagnóstico foi feito por uma célebre revista internacional, que entrevistou várias das meninas brasileiras que tinham tido acesso às fontes de informação privilegiadas para se saber verdadeiramente as causas de todo aquele alvoroço.

E as causas eram várias. Algumas mães de Bragança eram desdentadas. Outras serviam o jantar à mesa com as unhas pretas de andarem a lavrar as terras durante o dia. Mas a causa que mais impressionou a opinião pública internacional é que algumas mães de Bragança iam para o leito conjugal, com os seus respectivos maridos, ainda com as mãos a cheirar a cebola do refogado que tinham feito para o jantar.


(Continua aqui)

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