12 outubro 2019

O Juiz-Pistoleiro (17)

(Continuação daqui)



O Juiz-Pistoleiro
(Novela)

Cap. 17. A Monique



Naquela manhã, Maria Eufémia parecia ter recuado trinta anos no tempo, fazendo-lhe lembrar aqueles dias em que levava os filhos ao médico.

Nesse dia, ela ia acompanhar o marido ao Tribunal de Instrução Criminal para ele se defender das acusações de micose da virilha por parte do Ministério Público.

O juiz Francis acabara de sair da casa de banho, em roupão, depois de se arranjar, quando ela saltou da cama, foi direito a ele, e disse-lhe, com um par de cuecas novas na mão:

-Mostra-me lá isso … para ver se estás bem lavado … ainda te aparece lá uma juíza e é uma vergonha…

O juiz fez um gesto reflexivo de defesa, levou as mãos aos genitais sobre o roupão e, antes de balbuciar qualquer resposta, já Maria Eufémia lhe desferia o golpe fatal:

-Mostra lá isso… escusas de estar aí com medo que eu não te faço mal … se fosse à Monique mostravas logo tudo…

Tinham passado trinta anos, mais de mil e quinhentas semanas, sobre o dia em que o juiz, em plena sala do tribunal, tinha sido apanhado em flagrante delito.

O momento de prazer tinha sido fugaz, mas a pena foi para a vida. Não havia semana em que, a propósito de tudo e de nada, Maria Eufémia não lhe lembrasse a brasileira, a brasileirinha, a monhezinha, a Monique ou a Moniquezinha. 

A brasileira do Pará que uma tarde, trinta anos antes, o juiz Francis dos Coldres havia retido na sala do tribunal para se certificar se ela era do Pará ou do Maranhão, iria acompanhá-lo, de uma maneira que ele não podia antever na altura, para o resto da sua vida.

A Monique era a arma infalível que Maria Eufémia tinha sempre pronta a disparar sobre o marido para o obrigar a fazer aquilo que ela queria. E uma arma imensamente  mais eficaz do que a Mauser de 7 mm que o marido trazia permanentemente no coldre à cintura.

Três meses antes, Maria Eufémia e o marido tinham tido uma violenta discussão à hora do jantar, tudo por causa da Monique.

Na sua juventude, Maria Eufémia tinha estudado arquitectura, mas nunca chegou a acabar o curso. Na impossibilidade de desenhar prédios, ficou-lhe o gosto por os comprar e vender, e até para os alugar, e tornou-se sócia de uma imobiliária.

O surto de turismo que tinha invadido o país nos últimos anos, mesmo nas cidades mais remotas do interior, tinha feito subir em flecha os preços do imobiliário. A procura era grande por parte de pequenos empresários dedicados à exploração de hostels e também por parte de grandes cadeias de hoteis.

Nessa altura, a imobiliária de Maria Eufémia possuía um prédio em ruinas no centro da cidade pelo qual uma grande cadeia de hotelaria estava pronta a pagar um preço de ouro para aí construir um moderno hotel de oito andares. O problema é que o inquilino do segundo esquerdo, o último que ainda restava no prédio, depois de todos os outros terem morrido, se recusava a sair.

A imobiliária chegou a oferecer-lhe uma quantia generosa para ele abandonar o apartamento, que estava a cair aos bocados, e até lhe ofereceu um apartamento novo com uma renda simbólica numa zona nova da cidade, mas o inquilino era uma velho casmurro, reformado da GNR.

Sem possibilidades de negociação e salivando pelo lucro da venda do prédio, a imobiliária decidiu pôr-lhe uma acção em tribunal.

Foi por causa dessa acção judicial que  Maria Eufémia e o marido se envolveram na grande discussão ao jantar, era um Domingo, três meses atrás.

Foi ela que começou:

-Quando é que decides a acção de despejo que tens lá no tribunal?...

-Oh mulher … tu sabes que não posso ser eu a decidir aquela acção…,

respondeu o juiz.

-Não percebo porquê…, 

insistiu Maria Eufémia.

-Não posso… tu és minha mulher … é por causa da imparcialidade…

e o juiz até ia citar o artigo 43º do Código do Processo Penal e mais o artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e preparava-se já para explicar à esposa toda a jurisprudência associada a um e outro dos artigos, e ainda a esclarecê-la sobre a hierarquia das leis que dava primazia à CEDH sobre o CPP...

Mas Maria Eufémia não lhe deu tempo. Mal ele proferiu a expressão "tu és minha mulher…", ela já nem ouviu o resto,  levantou-se vagarosamente enquanto a face  se ia enchendo de rubor e o peito de ar, pousou as mãos sobre a mesa, fincou as unhas na toalha, os olhos pareciam faiscar, e explodiu em cólera:

-Pois! … se fosse para a Monique já tinhas decidido tudo!...

e foi por ali sem parar. A discussão foi violenta. Ficaram oito dias sem se falar.

Três semanas depois apareceram grandes parangonas nos jornais:

-"Juiz decide a favor de imobiliária em que mulher é sócia, e empocha 120 mil euros". 


(Continua aqui)




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