29 setembro 2019

O Juiz-Pistoleiro (5)

(Continuação daqui)


O Juiz-Pistoleiro
(Novela)


Cap. 5. A madrasta



No dia seguinte, o juiz foi posto sob escuta telefónica, o mesmo acontecendo a novecentos e oitenta e um médicos dermatologistas registados na Ordem dos Médicos.

Em breve o juiz seria escutado a combinar com um dos irmãos bater no outro; a chamar "vaca" à madrasta, dez anos mais nova do que ele, e que decidira casar com o pai, seis meses antes de este ter falecido, aos 107 anos de idade; a pôr um processo ao presidente da Câmara por este não o deixar estacionar o avião no aeródromo da cidade; a pôr outro processo ao bastonário da Ordem dos Advogados exigindo-lhe um milhão de euros de indemnização pela sua honra ofendida; e muitas outras coisas comprometedoras.

Nesse mesmo dia, foi também expedida uma carta para todos os hospitais e clínicas do pais que intimava os destinatários, no prazo de 30 dias, a comunicar ao DIAP se, nos últimos dois anos, tinham receitado algum medicamento para a micose da virilha ao juiz Francis dos Coldres.

A carta tinha o logotipo do DIAP, o número do processo, e a indicação  de "Crime de investigação prioritária". E, na realidade, quem consultasse o Diário da República de 16 de Agosto do ano anterior, que definia os crimes de investigação prioritária, poderia ver, na alínea g), o crime de micose da virilha. E a alínea z) chegava mesmo ao ponto de incluir entre os crimes de investigação prioritária "todos os crimes não previstos no Código Penal".

Tinha sido um dia esgotante de trabalho para o director do DIAP, o Procurador-Geral Adjunto, Toni Guimarães. Desde as onze menos um quarto da manhã, hora a que chegara ao serviço, até às quatro e meia da tarde, hora que marcava agora o seu relógio, descontando o intervalo para almoço - que decorrera desde o meio-dia até às três da tarde - tinha assinado quinhentas e quarenta e sete cartas destinadas a todas as instituições de saúde existentes no país, possuindo pelo menos um médico dermatologista.

Foi nessa altura que, recostando-se por um momento na cadeira,  por entre umas baforadas, concluiu filosoficamente que o Governo, em vésperas de eleições, não tinha feito favor nenhum em aumentar os Procuradores-Gerais Adjuntos em setecentos euros ao mês, permitindo-lhes agora ganhar mais que o próprio primeiro-ministro.

O relógio marcava naquele momento quatro e trinta e três da tarde. Toni Guimarães acendeu o último cigarro antes de se ir embora do trabalho, era o trigésimo nono do dia, o décimo quinto nas instalações do DIAP, que em todos os seus corredores tinha a indicação de que era proibido fumar. O cheiro que o magistrado exalava era agora nauseabundo e já nem mesmo a sua assistente Elisabete Silva, uma retumbante loira de 37 anos com umas pernas de encher o olho, ousava aproximar-se dele.

Toni Guimarães contemplou então a última carta que tinha assinado. Era para o Hospital da Covilhã e era agora a primeira do maço de quinhentas e quarenta e sete que assinara durante o dia de trabalho. Releu com atenção o último parágrafo que avisava os destinatários que o processo estava em segredo de justiça e que a sua violação implicava, nos termos da lei, uma pena de prisão que poderia ir até dois anos.

Foi então que se lembrou de fazer o último pedido do dia à sua assistente:

-Oh Elisabete… ligue-me aí para o director do Correio da Manhã...  


(Continua aqui)

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