30 setembro 2019

O Juiz-Pistoleiro (6)

(Continuação daqui)


O Juiz-Pistoleiro
(Novela)




Cap. 6. O irmão mais novo.



A manchete do Correio da Manhã era a toda a largura da primeira página: "Juiz investigado por micose da virilha", e o assunto era tratado com todo os detalhe e muita especulação nas duas páginas centrais.

Quem não conhecesse a relação conflituosa que o juiz mantinha com a imprensa ficaria com pena do juiz. Mas esta era um guerra que durava há anos. O que estaria o juiz verdadeiramente a acariciar sob a toga naquele dia em tribunal?. Tratava-se de micose ou  de doença venérea? Aos sessenta e tal anos de idade, estaria ele a ser excitado pela figura erótica da advogada de defesa, Maria Odete?

O juiz era o recordista do país a pôr processos por difamação a quem ousasse falar dele, incluindo um irmão. Contava-se que enriqueceu à custa de processos por difamação que punha a jornais e jornalistas. Era público que um dia pôs um processo por difamação a um jurista pedindo uma indemnização milionária, embora este tenha saído falhado.

E, mesmo se, mais tarde, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenava Portugal por violação do direito à liberdade de expressão, quem era condenado a indemnizar os jornais e os jornalistas era o Estado português, não o juiz, que guardava o dinheiro das indemnizações determinadas pelos tribunais portugueses.

Escusado será dizer que no tribunal da sua cidade natal, onde ele punha e ganhava mais processos, ele era o inspector dos juízes, penalizando todos aqueles que não decidissem a seu favor.

Dizia-se à boca pequena que foi assim que - enriquecendo de forma ilícita à custa dos seus concidadãos, e manipulando por dentro o sistema de justiça como poucos poderiam fazer - comprou um avião, que era a menina dos seus olhos, e que logo foi a fonte de mais processos judiciais.

Quis alargar o objecto social da sociedade do pai, que se dedicava à exploração mineira, de modo a incluir também a prestação de serviços aéreos. Da sua cidade natal a Espanha era um saltinho e, dizia, ele, com o avião registado na cidade, podia abastecer o teco-teco no país vizinho onde a gasolina era mais barata. O irmão mais novo opôs-se.

Tanto bastou para um nova rixa de família, que a imprensa cobria com imenso gozo. Na realidade, tudo o que dissesse respeito ao juiz Francis, a imprensa cobria com imenso gozo. O irmão queixou-se que o juiz lhe tinha dado dois murros, e a imprensa fotografou o irmão com escoriações na cara, mas o juiz negou tudo, ao mesmo tempo que metia um processo por difamação ao irmão.

O teco-teco viria a dar origem  a outro processo judicial, desta vez contra o presidente da Câmara, que não permitiu ao juiz estacionar o teco-teco no aeródromo da cidade. O tribunal acabou por absolver o presidente da Câmara que, assim, não teve que indemnizar o juiz, mas só depois do juiz Francis dos Coldres deixar de ser o inspector de juízes do tribunal da cidade e ficar suspenso por seis meses.

Tudo o que o juiz Francis fizesse e tivesse alguma ponta pública por onde se lhe pegar, os jornais não perdoavam. Um dos últimos episódios foi - o que é que havia de ser? - um novo processo em tribunal. O juiz Francis com o irmão mais velho e uma irmã puseram um processo de anulação do casamento entre a madrasta - dez anos mais nova que o enteado-juiz - e o pai, celebrado meses antes da morte deste aos 107 anos de idade.

O processo teve a oposição do irmão mais novo, mas o juiz Francis ganhou em primeira instância, o que não era difícil porque o processo correu no tribunal da sua cidade onde toda a gente tinha medo dele. O povo especulava agora que um dia, se não lhe fizessem a vontade, espetaria o seu teco-teco contra a torre da igreja, numa espécie de 11 de Setembro do nordeste transmontano.

A madrasta anunciou que iria recorrer, mas uma coisa é certa. Existia um homem neste mundo que se metia sempre no caminho  do juiz para o impedir de chegar ao Nirvana.

Esse homem era o seu irmão mais novo.


(Continua aqui)

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