27 setembro 2019

O Juiz-Pistoleiro (2)

(Continuação daqui)


O Juiz-Pistoleiro
(Novela)


Cap. 2. Maria Odete


O juiz sentou-se, colocou o calhamaço que trazia na mão sobre a tribuna, levantou a cabeça e fitou  o réu.

E assim ficou, pasmado, a olhar para o réu. Passaram dez, quinze, trinta segundos, minuto e meio, o silêncio era total na sala de audiências, os olhos do juiz brilhavam, embevecidos, a olhar para o réu.

O encantamento do juiz não passou despercebido ao próprio Joe Pistolas que, sentado no banco dos réus,  chegou a duvidar:

-Será que este tipo é bicha?...

Foi então que, ao final de três minutos, parecendo acordar de um sonho, o juiz deu um salto na cadeira e declarou:

-Passemos imediatamente à identificação do réu… Nome completo…

-José das Dores dos Santos… mas podes-me chamar Joe Pistolas que é assim que a malta lá de  Lady of the Hour me chama

Fez-se um silêncio de gelo no tribunal, mas o juiz prosseguiu

-Profissão...

-Pistoleiro, pá… em estrangeiro diz-se gunman, meu...

-Salário mensal…

-Olha pá...  já estás a abusar … diz lá tu primeiro quanto é que ganhas, pá … diz lá … diz lá, pá…

Foi nesta altura que Maria Odete, em pânico, interrompeu o diálogo, sem licença do juiz, para se dirigir ao seu próprio constituinte:

-Oh senhor Pistolas… o senhor não pode falar assim ao senhor doutor juiz…

Maria Odete era a advogada oficiosa de defesa. Aos 28 anos de idade tinha acabado o estágio de advocacia. Era uma figura franzina, as unhas pintadas de verde,  tinha os dentes encavalitados na frente, e gostava de vestir de preto, com o cabelo em carrapito.

Nesse dia  usava uma blusa de manga curta muito decotada que punha a descoberto os braços profusamente tatuados onde se podiam ler mensagens como "I love New York" e "Long live pets".

A beleza da Maria Odete estava nos pés, exibindo nesse dia umas reluzentes sandálias azuis compradas na feira anual de Lord of Littlebushes que condiziam com o verde das unhas, estampadas com as estrelinhas azuis e vermelhas da bandeira americana.

Apesar da preocupação de Maria Odete, o juiz pareceu não dar grande importância ao assunto, embevecido como estava com a figura de Joe Pistolas.

Prosseguiu a identificação:

-Nome da mãe…

-Maria … Lu … Lu… Lu… Lu…

e foi neste momento que Joe Pistolas colapsou em lágrimas.

O silêncio tornou-se de chumbo naquele tribunal, só cortado pelo choro convulsivo do réu, que ainda foi dizendo, por entre violentos soluços:

-Coitadinha …………… da minha mãezinha …. que Deus tem…….que não era chamada para aqui….

O embaraço era geral na sala do tribunal, mas Joe Pistolas, acabou por responder à questão do juiz, ainda que com notória dificuldade:

-Maria.... Lu….Lu...Lu… Lucinda… mas … mas  … toda a …. malta… a.... a...tratava...a tratava... por Lulu...  

Tinham passado mais de dez minutos e Joe Pistolas permanecia naquele pranto que não dava sinais de abrandar.

Foi então que o próprio juiz se levantou da tribuna, avançou em direcção ao banco dos reús e, arregaçando a toga, tirou um lenço branco do bolso das calças que entregou a Joe Pistolas para que limpasse as lágrimas.

Nesse preciso momento, Maria Odete, que estava muito atenta, pareceu ver algo de reluzente na cintura do juiz, junto à anca, do lado direito, parecia colado ao cinto, mas a toga caiu rápido sem que ela pudesse identificar o que se tratava.

A mão no ombro de Joe Pistolas, transmitindo-lhe palavras de conforto que, à distãncia não eram entendíveis, o juiz deu a sessão por terminada eram umas dez e vinte da manhã, por incapacidade psicológica do réu, marcando a próxima sessão para  quinta-feira da semana seguinte.

Cá fora era a desilusão geral entre os habitantes de Lady of the Hour, a maior parte dos quais nunca tinha assistido a um julgamento, sequer entrado num edifício de tribunal.

As mulheres confortavam Joe Pistolas que continuava naquela choradeira infernal por causa da sua mãezinha.

(Continua aqui)

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