20 fevereiro 2019

a paz

Poderia dizer-se que entre o Mercado e o Estado, como mecanismos de afectação de recursos (Quem produz o quê?), para usar a linguagem dos economistas, a Igreja dá primazia ao Mercado e torna o Estado complementar ou subsidiário do Mercado.

Porém, a Igreja não estabelece esta hierarquia por nenhuma razão de racionalidade económica. A razão é outra. É a paz - que é um valor muito mais importante do que a eficiência económica -, um elemento essencial do bem-comum.

Para isso, é preciso notar, em primeiro lugar que, quando na esfera pública se discutem os mecanismos de afectação dos recursos, a discussão se cinge geralmente ao Mercado e ao Estado, mas a realidade é que existe um outro - que a Igreja considera o mais importante de todos e que disso dá exemplo - e que nunca é mencionado.

(É o resultado de os intelectuais e os cientistas sociais (e outros) raciocinarem com uma razão amputada (cf. aqui). Há sempre qualquer coisa que falta ao argumento ou à discussão e frequentemente é o mais importante, sem o qual nem o argumento nem a discussão poderiam sequer ter lugar).

Existem três formas de as pessoas se relacionarem - pelo amor, pelo interesse e pelo poder. O Estado relaciona as pessoas pelo poder, que se exprime em leis, acompanhadas pelo exército e pela polícia; o Mercado relaciona-as pelo interesse, que se exprime em trocas. É a Comunidade que as relaciona pelo amor, que se exprime em dádivas - e esta é a parte da realidade que fica sempre excluída dos argumentos e das discussões.

Ora, todo o ser humano, até atingir a idade de se poder governar a si próprio, tudo aquilo que tem foi-lhe dado pela Comunidade, começando na sua própria família. Este é, de longe, o mecanismo de afectação dos recursos mais importante de todos. A razão é que nenhuma criança consegue sustentar-se a si própria. Sem dádivas - a começar por aquelas que a sua mãe lhe faz - estaria condenada a morrer, e logo à nascença.

Para além do Estado e do Mercado, existe a Caridade (ou Filantropia, às vezes impropriamente chamada sector social, por oposição ao sector privado e ao sector público) como mecanismo de afectação dos recursos, e a hierarquia entre os três mecanismos, ordenada pela sua importância decrescente, é a seguinte: Caridade, Mercado, Estado.

Ora, a Caridade e as trocas no Mercado possuem uma característica em comum - são ambas voluntárias. Só dá por amor quem quer, e só entra numa troca quem quer, ninguém é obrigado. Ao passo que, quando intervém o Estado, a relação é de obrigação, e uma obrigação imposta sob a ameaça da coerção. É aqui que as relações entre as pessoas se podem inquinar. Ninguém gosta de ser coagido.

Uma sociedade assente no amor e na troca é uma sociedade que tende para a paz. Já uma sociedade assente na coerção tende para o conflito e para a violência. Não surpreende que o socialismo, sobretudo nas suas versões mais extremas, acabe sempre assim.

1 comentário:

name disse...

Pedro Arroja,
É agradável ler os seus escritos, como há uns dez anos. Mostra que mantém as suas bases, a sua lógica. Nada melhor do que se ser coerente.
Cumprimenta