O Princípio da Subsidiariedade do Estado, que é afirmado no programa da Iniciativa Liberal (cf. aqui), e que tanto agradou ao Prof. Mário Pinto (cf. aqui) é uma verdadeira criação do pensamento católico.
Foi formulado pela primeira vez pelo Papa Pio XI na Encíclica Quadragesimo Anno (1931), embora já se encontrasse de forma implícita na Encíclica Rerum Novarum (1891), do Papa Leão XIII, que inaugurou a Doutrina Social da Igreja, e cujo 40º aniversário aquela se destinava a celebrar.
No final do século XIX a Igreja decidiu intervir na polémica entre liberalismo (capitalismo) e socialismo para mediar entre as partes, e foi esse o sentido da Encíclica de Leão XIII. Cem anos depois, concedeu a vitória ao liberalismo na Encíclica Centesimus Annus (1991) que se destinava a celebrar o centenário da Rerum Novarum.
Já na altura, o grande debate entre liberalismo e socialismo era em torno do papel do Estado na sociedade. O liberalismo defendia a concepção do Estado Mínimo, ao qual eram reservadas apenas as funções de defesa e administração interna, justiça e representação externa, ao passo que o socialismo defendia um Estado muito maior, que viria a ficar conhecido por Estado-Providência. Para além das funções tradicionais, o Estado Providência invadia muitas outras esferas da vida social, como a saúde, a educação, a assistência aos velhos e necessitados, etc.
A cada uma das partes em litígio estava associada uma versão do protestantismo - ao liberalismo o calvinismo, e ao socialismo o luteranismo - e também, pode dizer-se, uma nacionalidade - o liberalismo era britânico e o socialismo germânico.
Foi nesse processo de intermediação que a Igreja desenvolveu o conceito de Estado Subsidiário, que não dá razão nem ao Estado Mínimo do liberalismo nem ao Estado-Providência do socialismo, embora se aproxime muito mais do primeiro do que do segundo. Já nesta altura, a Igreja pendia mais para o liberalismo do que para o socialismo.
A principal diferença entre o Estado Mínimo do liberalismo e o Estado Subsidiário do catolicismo é que o primeiro é uma fórmula fixa que atribui ao Estado certas funções bem determinadas, e que não lhe reconhece mais nenhumas, ao passo que o Estado Subsidiário é uma concepção flexível que faz depender as funções do Estado da cultura de cada povo e das circunstâncias do momento.
Darei a seguir alguns exemplos.
Um Estado Subsidiário na Suécia será sempre um Estado muito maior do um Estado Subsidiário em Portugal. A razão é que, naquela sua tradição luterana, os suecos possuem confiança nos seus políticos e no seu Estado, um Estado que é eficiente e onde a corrupção é mínima. É tudo ao contrário em Portugal, na sua tradição católica, tanto mais que para realizar muitas das funções (sobretudo assistenciais e de educação) que os suecos entregam aos seus políticos e ao Estado, Portugal tem quem as faça muito melhor e sobretudo mais barato - os padres e a freiras, que é uma coisa que os suecos não têm.
Nos EUA, a rede de caminhos de ferro foi desenvolvida sobretudo pela iniciativa privada. O país era suficientemente populoso para justificar o investimento privado nessa área, e o Estado não foi necessário. Já no seu vizinho do norte, o Canadá, que é um país imensamente maior, e com muito menos população, nenhum empresário privado apareceu para dotar o país de uma rede de caminhos de ferro. Teve de ser o Estado. O mesmo se verificou no transporte aéreo.
Numa situação de crise financeira, como sucedeu em Portugal, o Estado pode ser chamado a tornar-se proprietário de bancos (como deveria ter feito em relação ao BES). Mas, logo que a crise esteja passada, esses mesmos bancos devem voltar ao sector privado. É que, em Portugal, para gerir bancos em condições normais de mercado, se os privados podem ser maus, o Estado consegue ainda ser pior (como agora se vê com a CGD), segundo o princípio de que "aquilo que é de todos não pertence a ninguém".
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