30 junho 2024

A Decisão do TEDH (250)

 (Continuação daqui)



250. Como enriquecer recursando

No post anterior expliquei como se pode enriquecer demorando. Neste post pretendo explicar como se pode enriquecer recursando.

O cliente estava condenado pelo Tribunal da Relação por dois crimes, ofensa a pessoa colectiva e difamação agravada, sendo que deste último tinha sido absolvido em primeira instância.

Foi nessa altura que o cliente procurou o advogado para que este lhe fizesse o recurso para o TEDH. Nos termos do artigo 35º da CEDH, o TEDH só aprecia casos depois de esgotados todos os recursos internos nos tribunais nacionais. 

Na altura estava em vigor uma jurisprudência do Tribunal Constitucional segundo a qual só eram recorríveis para o Supremo as condenações inovadoras da Relação que implicassem penas de prisão efectiva. De acordo com esta jurisprudência, a condenação do cliente por difamação agravada na Relação não era recorrível para o Supremo porque a pena era de multa.

O advogado começou por sugerir ao cliente uma reclamação para o Tribunal da Relação a contestar a imparcialidade do juiz-relator, e o cliente aceitou, até com entusiasmo porque, de facto, havia matéria para isso. A reclamação foi indeferida.

Em seguida, o advogado disse ao cliente que ia recorrer para o Supremo e o cliente continuou a ver nisso alguma lógica. Porém, o recurso nem sequer foi apreciado. Numa Decisão Sumária, o Supremo invocou a referida jurisprudência para rejeitar o recurso.

Sempre sob o argumento de esgotar todos os recursos internos, o advogado disse então ao cliente que ia recorrer para o Tribunal Constitucional para que lhe fosse garantido o direito ao recurso previsto no artigo 32º da Constituição. O cliente aceitou mas neste momento o advogado omitiu ao cliente uma peça de informação decisiva.

Numa Decisão Sumária subscrita por uma juíza, o TC rejeitou o recurso invocando a referida jurisprudência.

O advogado recorreu para a conferência. Num acórdão subscrito por unanimidade de três juízes da 3ª Secção, a resposta voltou a ser negativa.

O advogado recorreu depois para o Plenário do TC sempre sob o argumento de que era preciso esgotar todos os recursos para o processo poder avançar no TEDH. Um acórdão do Plenário, por unanimidade voltou a rejeitar o recurso.

E só agora a sentença do Tribunal da Relação transitava em julgado, a pena era cumprida (multa acrescida de indemnizações cíveis) e o processo podia avançar no TEDH onde já se encontrava há mais de dois anos.

Os recursos para o Tribunal Constitucional atrasaram o processo em cerca de dois anos; por eles o cliente pagou 4790 euros em custas e, mais tarde, o advogado apresentaria ao cliente uma conta em honorários, onde pontificavam os recursos para o TC, que o deixariam de olhos em bico (cf. aqui).

Quando, finalmente, o TEDH proferiu o seu acórdão, eram mencionados os recursos para o Tribunal da Relação e para o Supremo, mas não havia nenhuma referência aos recursos para o TC e às três decisões deste Tribunal (uma Decisão Sumária e dois Acórdãos).

O cliente foi então à procura de uma explicação para facto tão insólito. Quando, porém, a encontrou, já era tarde de mais.

Os recursos para o TC não eram necessários (e por isso o TEDH nunca os considerou). 

E até havia jurisprudência sobre a matéria visando directamente Portugal (cf. aqui).  Tratou-se do caso de um cidadão que recorreu para o TEDH e cujo recurso foi rejeitado por ter entrado fora do prazo. O requerente contara o prazo de seis meses a partir da decisão do TC, mas deveria ter contado a partir da decisão do Tribunal da Relação. Argumento do TEDH: o TC não é um tribunal judicial que pudesse alterar a sentença do Tribunal da Relação.

Em suma, o advogado andou dois anos a recorrer para o TC para poder justificar horas de trabalho que não eram necessárias, a 150 euros a hora. 

Uma última questão. Quem serão esse cliente-anjinho e esse advogado-sabidolas que são os protagonistas desta história?

A solução está no acórdão Almeida Arroja v. Portugal.


(Continua acolá)


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