29 junho 2024

A Decisão do TEDH (249)

 (Continuação daqui)



249. Como enriquecer com as demoras na justiça


O sistema de justiça em Portugal foi capturado pelas corporações de insiders que o operam e deixou de estar ao serviço do povo como seria de esperar num regime democrático.

Os portugueses queixam-se, em particular, das demoras da justiça sem se aperceberem que há insiders do sistema a enriquecer com as demoras na justiça e que constituem obstáculos a quaisquer reformas que visem tornar a justiça mais célere.

Antes de dar um exemplo, convém dizer que o artigo da Convenção Europeia dos Direitos Humanos mais invocado junto do TEDH é o artigo 6º (Direito a um processo equitativo, cf. aqui) que no seu nº 1. estipula, entre outras coisas, que a justiça deve ser feita dentro de um "prazo razoável".

É claro que, como sempre sucede no TEDH, a ideia de "prazo razoável"  não é deixada a uma interpretação casuística e arbitrária como aconteceria em Portugal (que tem os melhores magistrados do mundo: cf. aqui), mas existe uma jurisprudência acerca dela. O TEDH considera como "prazo razoável" para a realização da justiça o prazo de quatro anos.

Eis, agora, como enriquecer com as demoras da justiça em Portugal:

1. Um advogado põe um processo em tribunal contra a sua ex-mulher por ela lhe ter ficado com certos objectos pessoais e pede uma indemnização pelos danos que sofreu por causa disso. O processo arrasta-se nos tribunais portugueses mais de cinco anos e o advogado acaba mesmo por desistir da queixa. Aquilo que ele faz em seguida é queixar-se ao TEDH, ao abrigo do artº 6º, nº 1, que a justiça portuguesa excedeu o "prazo razoável" para decidir o caso. O TEDH dá-lhe razão e o Estado português é obrigado a indemnizá-lo em 3.500,00 euros. É o processo Ferreira Alves c. Portugal.

2. Um advogado põe um processo contra terceiros por dívidas. O processo arrasta-se nos tribunais portugueses durante nove anos e os tribunais acabam a decidir que o advogado não tem razão, que nada lhe é devido. Não obstante, ele põe um processo no TEDH contra o Estado português, ao abrigo do artº 6º, nº 1 da CEDH, por demora na justiça. O TEDH dá-lhe razão e obriga o Estado a indemnizá-lo em 5.000,00. É o processo Ferreira Alves c. Portugal (Nº 2).

3. Um tribunal português queixa-se de um advogado à Ordem. A Ordem abre um processo disciplinar ao advogado mas o processo, ao cabo de mais de quatro anos, acaba por prescrever e o advogado sai ilibado devido à prescrição. Não obstante, o advogado queixa-se ao TEDH de demora na justiça, (argumentando pelo caminho que não existe em Portugal tribunal ao qual se possa queixar de demoras na justiça para assim justificar que todos os recursos nacionais se encontram esgotados, como exige o artº 35º da CEDH). O TEDH dá-lhe razão e o Estado é obrigado a indemnizá-lo em  3.750,00 euros. É o processo Ferreira Alves v. Portugal.

(Continua acolá)

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