02 fevereiro 2023

Um acórdão de morte (11)

 (Continuação daqui)



11. O exercício de filigrana interpretativa

"Assim, quaisquer tentativas por parte do legislador de resolver a deficiência agora assinalada – e que, recorde-se, constitui o único fundamento da presente decisão – agradarão a uns e desagradarão a outros. Prescindindo dos adjetivos, persistirá a dúvida sobre se qualquer das dimensões do sofrimento vale, por si só, como justificação bastante para o cumprimento do pressuposto legal de acesso à morte medicamente assistida. Exigindo expressamente a sua cumulação, cria-se uma situação de discricionariedade administrativa, passível de deixar de fora um conjunto de situações que o legislador claramente quis incluir no âmbito subjetivo da lei (designadamente, os cidadãos com lesões graves e amplamente incapacitantes, mas sem dor). Se se substituir o atual “e” por um “ou”, o legislador corre o risco de se ver confrontado com a alegação de que abriu de tal maneira o leque de circunstâncias em que se pode recorrer à morte medicamente assistida que daí resulta a rotura do frágil equilíbrio entre os bens jusfundamentais em tensão, agora validado pelo Tribunal Constitucional. Ou seja, do exercício de filigrana interpretativa que conduz à decisão lavrada no presente Acórdão resulta um standard de controlo que não se pode cumprir sem risco de abrir espaço a novas e distintas críticas à lei, numa espiral infinita de objeções possíveis."

Juiz-conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias e outros, Declaração de Voto conjunta, cf. aqui 


(Continua acolá)

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