30 outubro 2022

Um juiz do Supremo (61)

(Continuação daqui)



61. Também trajavam de toga


Uma antiga discussão teológica entre católicos e protestantes centra-se em saber se Cristo veio ao mundo para dizer a verdade ou para fazer justiça. Os católicos inclinam-se para a verdade e os protestantes para a justiça.

A resposta certa junta as duas respostas anteriores. Cristo veio ao mundo para dizer a verdade a fim de que se pudesse fazer justiça, e veio ao mundo para fazer justiça, mas para isso precisava da verdade. É que a verdade sem justiça não serve para nada e a justiça sem verdade é impossível.

A verdade é a condição sine qua non da justiça. Sem verdade não há justiça.

É sobre a verdade e a justiça que vou de volta ao caso em que o juiz Francisco Marcolino foi recentemente julgado no Supremo Tribunal de Justiça por difamação da sua colega Paula Sá, e a que faço referência no post anterior. 

Foi um caso em que se voltou o feitiço contra o feiticeiro. O juiz Marcolino é autor de dezenas de processos por difamação (alguns contra a sua colega Paula Sá), à custa dos quais tem enriquecido. Na sua condição de juiz, ele próprio faz enriquecer terceiros em processos por difamação, em clara violação da jurisprudência vigente e da justiça, não se sabe se para pagar favores ou se para lucrar de alguma outra forma.

Desta vez, foi ao contrário. Sendo ele réu e juiz desembargador, o julgamento teve lugar no Supremo Tribunal de Justiça. Na fase de instrução o juiz Marcolino admitiu implicitamente que foi ele que fez os comentários difamatórios no Facebook acerca da sua colega Paula Sá, ao invocar o direito à liberdade de expressão, que ele próprio obstinadamente ignora na sua condição de juiz ou de autor em processos por difamação (cf. aqui). 

Esta invocação irritou severamente o juiz de instrução pela simples razão de que a liberdade de expressão dos juízes está seriamente restringida em razão das funções que exercem. Os juízes não podem andar no Facebook a dizer impropérios sobre outras pessoas como faz qualquer cidadão comum. Para além do crime de difamação, ele estava em clara violação do dever de reserva pelo qual já uma vez tinha sido sancionado pelo CSM.

E o juiz de instrução mandou o juiz Marcolino para julgamento. 

Porém, em julgamento, o juiz Marcolino alterou a versão dos acontecimentos, esqueceu a liberdade de expressão, e passou a dizer consistentemente, perante o colectivo de juízes presidido pela juíza conselheira Teresa Féria, que, quem fez os comentários difamatórios sobre a juíza Paula Sá, não foi ele, mas a mulher, que teria tido acesso à sua página do Facebook.

Se fosse um cidadão vulgar a mentir assim tão ostensivamente em tribunal, ainda por cima perante o mais alto tribunal judicial do país, tal constituiria um factor agravante da condenação. Mas aqui era diferente, eram juízes a julgar um juiz, também ele de um alto tribunal da nação - o Tribunal da Relação do Porto, ainda por cima, presidente da sua primeira secção criminal.

Imperou a leniência (cf. aqui). E o juiz Marcolino foi absolvido, em parte porque não foi possível apurar quem é que escreveu o comentário no Facebook, se foi ele ou a mulher.

Para o público em geral ficou, porém, o exemplo e a mensagem:  "Quando fores a tribunal, mente porque é isso que fazem os próprios juízes, mesmo perante o mais alto tribunal judicial do país"

E depois de mentir, numa espécie de recompensa, o juiz Marcolino tornou-se ele próprio, meses depois, juiz do mais alto tribunal judicial do país.

Os portugueses não devem ficar admirados de que em Portugal, hoje em dia, seja muito difícil, senão mesmo impossível, fazer justiça. A mentira torna a justiça impossível. E há juízes que dão o exemplo. 

Foi para corrigir esta situação que Cristo veio ao mundo. Curiosamente, alguns dos maiores mentirosos do seu tempo também trajavam de toga.


(Continuação acolá)

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