13 abril 2022

Ou talvez não (5)

(Continuação daqui)



5. Uma reforma dourada

A ministra Francisca van Dunem terminou o seu mandato no Governo no final de Março quando tomou posse o novo Governo constitucional e, aos 66 anos e meio de idade,  seguiu directamente para a reforma.

Recentemente, foi conhecido o valor da pensão de reforma que lhe foi atribuída pela Caixa Geral de Aposentações, que é a Segurança Social dos funcionários do Estado. 

A comunicação social não se poupou nas notícias:

Sol: "Francisca van Dunem reforma-se com pensão de 6750 euros por mês" (cf. aqui)

SIC: "Ex-ministra van Dunem vai receber reforma de 6750 euros por mês" (cf. aqui)

É um valor escandaloso. Francisca van Dunem vai receber na reforma, por mês, cinco vezes mais que o cidadão português médio ganha a trabalhar, e quinze vezes mais do que a pensão média do português comum.

Não faltou quem interpretasse esta pensão como sendo uma pensão de natureza política, e logo apareceram vozes a explicar que a pensão de reforma de Francisca van Dunem não é devida ao facto de ela ter exercido funções políticas, mas por se ter aposentado como juíza-conselheira do Supremo Tribunal de Justiça.

Pois é precisamente aqui que reside o problema - o facto de a pensão de reforma de 6 750 euros ao mês que ela vai receber corresponder à sua aposentação como juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça (cf. aqui).

Na realidade, Francisca van Dunem nunca trabalhou no Supremo Tribunal de Justiça e nunca exerceu o cargo de juíza conselheira. Ela foi promovida em Março de 2016, quando já era ministra, e reformou-se agora sem nunca ter posto os pés no STJ, excepto para a tomada de posse, e sem nunca ter feito um julgamento ou produzido um acórdão sequer.

Ela reformou-se na categoria de juíza conselheira que nunca exerceu. E a sua pensão de reforma foi calculada com base no vencimento de juíza-conselheira, que nunca lhe foi devido. Nos últimos anos da sua vida activa, ela foi paga como ministra, a que corresponde um vencimento inferior ao de juíza-conselheira do STJ.

Imagine-se um funcionário do escalão médio de uma empresa, que ganha 1500 euros por mês, e que se conluia com a administração da empresa do seguinte modo: nos últimos anos de actividade, o funcionário é promovido ficticiamente a administrador e o seu vencimento é ficticiamente fixado em 10 mil euros ao mês a fim de poder vir a auferir da Segurança Social uma pensão de reforma superior àquela a que teria direito.

Este homem cometeu o crime de burla, sendo a Segurança Social a vítima, e tendo como cúmplices os administradores da empresa.

Francisca van Dunem fez exactamente o mesmo. Tendo como cúmplices os membros do Conselho Superior da Magistratura, simularam uma categoria profissional (juíza conselheira) que ela nunca desempenhou e um vencimento que ela nunca auferiu (o de juíza conselheira) para receber uma pensão de reforma (6 750 euros por mês) da Caixa Geral de Aposentações, calculada  com base nesse vencimento, e que é superior àquela a que legitimamente teria direito.

Existe apenas uma diferença entre os dois casos citados. Aquele homem iria directo para a prisão, bem como os seus cúmplices. Ao passo que Francisca van Dunem vai gozar uma reforma dourada. E os seus cúmplices também, quando chegar a sua vez.

(Continua)

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