(Continuação daqui)
10. Um grande bando de ladrões
Quando a factura chegou, vinha tudo detalhado (cf. aqui). O senhor A tinha feito três requerimentos ao Tribunal Constitucional para que lhe fosse reconhecido o direito ao recurso previsto na Constituição.
Quando começou este processo, o senhor A estava convencido que os direitos humanos fundamentais eram pertença dos cidadãos e que ao Estado competia fazê-los cumprir. Mas, à medida que o processo foi avançando, o senhor A deu-se conta que a realidade era diferente. Muito diferente.
Os direitos humanos pertenciam não aos cidadãos, mas ao Estado que, através do Tribunal Constitucional, os administrava a seu bel-prazer, permitindo a sua utilização por uns mas não por outros, segundo as conveniências e as arbitrariedades do momento.
Ao longo de quase dois anos, o senhor A tinha andado junto do Tribunal Constitucional a pedir-lhe - literalmente, a pedir-lhe - que o deixasse usar o direito ao recurso em processo penal, previsto no artº 32º da Constituição. Fez três requerimentos que foram objecto de outras tantas respostas negativas, em dois acórdãos (646/2020 e 229/2021) e uma decisão sumária (865/2019).
Era altura de o Tribunal Constitucional facturar o serviço prestado. Pelos acórdãos, o TC facturou o senhor A à taxa de 2040 euros por unidade. A decisão sumária era mais barata: 714 euros. Total de factura: 4 794 (quatro mil setecentos e noventa e quatro euros). Serviço prestado: negação ao senhor A do direito constitucional ao recurso.
O senhor A viu nisto um roubo.
Agora, que na Lei 94/2021, que entrou em vigor esta semana, é a própria Assembleia da República que, por unanimidade, vem deitar aquilo tudo para o lixo, a convicção do senhor A não pode senão ter aumentado.
-Pagar quase 5 mil euros por uma injustiça!...
Foi então que o senhor A encontrou a explicação numa frase de Santo Agostinho na sua célebre "Cidade de Deus": "Um Estado que não se reja pela justiça converte-se num grande bando de ladrões".
(Continua)
Sem comentários:
Enviar um comentário