23 março 2022

Jurisprudência de cordel (9)

 (Continuação daqui)


9. Emoções


É uma pena que a Lei 94/2021 que esta semana entrou em vigor acabe com as brincadeiras jurisprudenciais do Tribunal Constitucional e restaure o direito ao recurso para todos os cidadãos, como manda a Constituição.

É que a jurisprudência de cordel do Tribunal Constitucional acerca da Lei 20/2013 quando estão em causa condenações inovadoras na Relação era muito divertida e causava momentos de grande emoção. É uma pena que esta douta jurisprudência vá, de um só golpe, toda para o lixo.

Como já foi referido, um momento de grande emoção foi vivido pelo senhor A quando num despacho leu a explicação da "juíza" Rangel de Mesquita porque é que o acórdão 31/2020 não era válido (cf. aqui).

Depois de se recompor de mais uma adversidade - era a segunda, junto do TC - decidiu fazer um derradeiro requerimento ao Tribunal Constitucional. Era uma petição de justiça em que, literalmente de joelhos, o senhor A implorava ao Tribunal Constitucional o seguinte:

Se o TC não podia garantir ao senhor A o direito ao recurso que garantia aos requerentes do acórdão 31/2020 porque este acórdão ainda não tinha sido levado ao Plenário, então que o levasse ao Plenário e depois aplicasse ao senhor A a mesma decisão que decidisse aplicar aos requerentes do 31/2020.

No jargão jurídico, o senhor A pedia a suspensão da instância, a fim de evitar uma injustiça que se desenhava no horizonte, que era a de o TC negar ao senhor A o direito ao recurso e o Plenário vir mais tarde a confirmar o reconhecimento deste direito aos requerentes do 31/2020.

E, na realidade, o Plenário do TC reuniu. Mas não para apreciar o acórdão 31/2020 e depois aplicar aos seus requerentes e ao senhor A a mesma decisão de reconhecimento ou não do direito ao recurso.

O Plenário do TC reuniu, mas para reiterar ao senhor A que não lhe reconhecia o direito ao recurso e que não lhe concedia sequer a suspensão da instância. Está tudo no acórdão 229/2021 (cf. aqui) que, para não variar, teve como relatora a "juíza" Rangel de Mesquita.

A partir deste momento, o senhor A estava inapelavelmente condenado a cumprir a pena que lhe tinha sido aplicada na Relação (no jargão jurídico, a sentença transitava em julgado), sem que pudesse exercer o seu direito constitucional ao recurso.

Lá teve de desembolsar mais de 30 mil euros em multas, indemnizações e custas judiciais (cf. aqui).

A emoção foi fortíssima, como se imagina.

Se fosse hoje, por força da Lei 94/2021 que entrou em vigor na passada segunda-feira, o senhor A teria podido recorrer para o Supremo que,  em vista da jurisprudência que tem defendido em processos por difamação, quase de certeza teria anulado o acórdão da Relação.

(Continua)

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