(Continuação daqui)
8. Era a brincar
O episódio mais divertido da jurisprudência de cordel do Tribunal Constitucional acerca da constitucionalidade da Lei 20/2013 quando estão em causa condenações inovadoras na Relação, ocorreu com o processo 1088/2019.
Em 2019, um arguido num processo por difamação - daqui para a frente referido como senhor A - foi absolvido em primeira instância, mas condenado na Relação a pena de multa (mais indemnizações cíveis aos ofendidos).
Fazendo uso do artigo 32º da Constituição recorreu da sentença para o Supremo. Estava nessa altura em vigor aquela jurisprudência do TC resultante do acórdão 595/2018 (cf. aqui) que considerava a Lei 20/2013 inconstitucional para penas de prisão efectiva (admitindo o direito ao recurso), mas constitucional para penas não-privativas de liberdade, como a pena de multa (não admitindo o direito ao recurso).
O Supremo respondeu ao senhor A que, em vista da jurisprudência do TC, não lhe podia apreciar o recurso.
O senhor A dirigiu-se então ao TC pedindo para lhe ser reconhecido o direito ao recurso previsto no artº 32º da Constituição.
Na decisão sumária (isto é, subscrita por um só juiz) nº 865/2019, de Dezembro, o TC, pela mão da "juíza" Maria José Rangel de Mesquita, respondeu-lhe que, em vista da jurisprudência estabelecida no acórdão 595/2018, e estando em causa uma pena de multa, não lhe reconhecia o direito ao recurso para o Supremo.
Em Janeiro de 2020, enquanto tomava conhecimento deste decisão sumária, o senhor A tomou também conhecimento do acórdão 31/2020 (cf. aqui) de 16 desse mês. Neste acórdão era reconhecido o direito ao recurso a quatro requerentes que se encontravam exactamente na mesma situação do senhor A (num caso de difamação, tinham sido absolvidos em primeira instância, mas condenados na Relação a pena de multa mais indemnizações cíveis).
O senhor A esfregou as mãos de contente e fez um novo requerimento ao TC em que, invocando o acórdão 31/2020, se queixava de discriminação, exigindo ser tratado da mesma maneira e que lhe fosse igualmente reconhecido o direito ao recurso. E dormiu descansado durante dez meses, certo que desta vez o Tribunal Constitucional não lhe podia dizer que não.
Até uma manhã de Novembro desse ano quando o seu advogado lhe enviou por e-mail o acórdão 646/2020 (cf. aqui) que tinha acabado de receber do TC, e de que era ainda relatora a "juíza" Maria José Rangel de Mesquita.
O acórdão recusava o direito ao recurso ao senhor A.
Mas, então, como explicar a injustiça de negar ao senhor A aquilo que o acórdão 31/2020 reconhecia aos seus requerentes?
A explicação era simples e foi-lhe dada num despacho posterior ao acórdão pela "juíza" Maria José Rangel de Mesquita. Era assim (cf. aqui):
O acórdão 31/2020 contrariava o acórdão 595/2018 porque reconhecia o direito ao recurso em caso de pena de multa que este último negava. Sendo assim, a decisão do acórdão 31/2020 só seria válida depois de ser confirmada pelo Plenário do TC. Como o acórdão ainda não tinha sido levado ao Plenário, a decisão nele contida não era válida. O cidadão A não tinha que se queixar de qualquer discriminação.
O senhor A ficou para morrer. Deu voltas e mais voltas ao que acabara de ler, e por fim pensou:
-Mas, então, o acórdão 31/2020, que até fez parangonas nos jornais (cf. aqui), era a brincar?
Depois de dar muitas voltas à cabeça, concluiu tristemente:
-Sim, era a brincar.
(Continua)
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