22 março 2022

Jurisprudência de cordel (7)

 (Continuação daqui)


7. De troca-tintas


O Tribunal Constitucional é um tribunal político que usurpou as funções do Supremo Tribunal de Justiça como o mais alto tribunal do país. Todos os seus "juízes" são de nomeação política e são nomeados pela Assembleia da República por maioria de dois terços dos deputados. Apenas  o PS e o PSD conseguem esta maioria pelo que, desde sempre, as nomeações para o TC resultam de um acordo entre estes dois partidos que verdadeiramente representam o "sistema" (cf. aqui)

Dos seus 13 "juízes" - todos recebendo a categoria mais alta da magistratura, a de juízes conselheiros, com os vencimentos e regalias inerentes - sete não são juízes de todo. Os outros seis são juízes, mas ainda assim de nomeação política, e são raros entre eles aqueles que são verdadeiros juízes conselheiros.

O povo português nem sempre teve grande consideração pelos seus políticos, talvez em resultado da fraca tradição democrática do país. Uma das críticas que o povo faz aos políticos partidários é o de dizerem hoje uma coisa e amanhã outra - na linguagem popular, de serem uns troca-tintas.

Será que essa crítica popular acerca dos seus políticos tem algum fundo de verdade e será que o Tribunal Constitucional, sendo um tribunal político, reflecte essa faceta que os portugueses às vezes atribuem aos seus políticos - a de serem uns troca-tintas?

Julgue por si, eu vou apenas dar um exemplo com base na jurisprudência [de cordel] do Tribunal Constitucional acerca da Lei 20/2013 quando está em causa uma condenação inovadora da Relação em pena não-privativa de liberdade (no caso concreto, uma pena de multa). A tal jurisprudência de cordel que a Lei 94/2021 veio ontem colocar no lixo.

Quatro cidadãos portugueses foram absolvidos em primeira instância, mas condenados na Relação por difamação. A condenação foi em pena de multa (mais indemnizações de natureza cível ao ofendido, curiosamente um juiz, também de um Tribunal da Relação).

Os arguidos recorreram então para o Tribunal Constitucional para que lhes fosse reconhecido o direito ao recurso [para o Supremo]. 

O TC respondeu-lhes no acórdão 31/2020 (cf. aqui), já citado, de 16 de Janeiro, em que foi relatora a "juíza" Mariana Canotilho, declarando inconstitucional a lei 20/2013 e permitindo-lhes o recurso para o Supremo.

Um ano e meio depois - note-se, não foi um mês e meio depois, foi um ano e meio depois -, no acórdão 523/2021 (cf. aqui) de 13 de Julho, em que é relatora a juíza Fátima Mata-Mouros (assessorada pela "juíza" Mariana Canotilho, a relatora do acórdão anterior), o mesmo Tribunal Constitucional vem dizer às mesmas pessoas, a quem tinha dito antes que a Lei 20/2013 era inconstitucional e que poderiam recorrer para o Supremo da pena que lhes foi aplicada na Relação que, afinal, a Lei 20/2013 é constitucional, que não podem recorrer para o Supremo, e que têm de cumprir a pena que lhes foi fixada pela Relação.

Se fosse contado, ninguém acreditaria numa coisa destas, que um ano e meio depois o Tribunal Constitucional, que é o mais alto tribunal do país,  venha dar o dito por não-dito. Mas acredite que é verdade. (Pode confirmar que os dois acórdãos se referem ao mesmo processo através do número do processo: 258/2019).

Ainda bem que a Lei 94/2021 veio ontem pôr um ponto final a esta jurisprudência de troca-tintas.

(Continua)

Sem comentários: