14 fevereiro 2022

o campeão da liberdade de expressão


A sentença do Tribunal de Cascais representa uma grossa violação do direito à liberdade de expressão do Pedro Frazão e, mais geralmente, de todos os portugueses. Para já, o Twitter suspendeu a conta do Pedro Frazão que assim se vê impedido de se exprimir através deste meio (cf. aqui).

Porém, a sentença interfere com o direito à liberdade de expressão do Pedro Frazão e de todos os portugueses num sentido mais amplo. Para isso, é necessário contar a história.

Existe um artigo na internet da autoria de José Maria Ricciardi desde 2019, e que nunca foi contestado, onde o autor, para além de dizer que o conselheiro Louçã é um refinado mentiroso, também permite extrair a conclusão de que Louçã recebia alguma compensação do BES sob a presidência de Ricardo Salgado (cf. aqui).

Foi a partir desta informação que Pedro Frazão, no fervor da pré-campanha eleitoral, publicou um tweet dizendo que Francisco Louçã recebia uma avença do BES (cf. aqui). Publicar notícias com base em informação parcial e frequentemente errónea, lesiva de interesses alheios, é o que fazem os jornalistas todos os dias, e é, em primeiro lugar, para os proteger que o TEDH construiu ao longo dos anos uma sólida jurisprudência sobre o direito à liberdade de expressão vs. direito à honra.

Não se provou em Tribunal que Francisco Louçã tivesse recebido alguma avença do BES. Nem tinha necessariamente que se provar. A prova da verdade (exceptio veritatis) não é condição essencial na jurisprudência do TEDH para fazer prevalecer o direito à honra sobre o direito à liberdade de expressão. A razão é que muitas vezes as pessoas agem legitimamente com base em informação que não é correcta (os jornalistas são o caso mais frequente, mas os políticos vêm logo a seguir).

Na sentença, o Tribunal de Cascais manda Frazão apagar o tweet no prazo de 5 dias sob pena de ter de pagar uma multa de 100 euros por cada dia de atraso, e publicar também o texto da sentença no seu twitter. A comunicação Social reportou o teor da sentença como Pedro Frazão tendo mentido sobre Francisco Louçã. Fica-se a pensar quantas vezes a comunicação social dá notícias erróneas com base em informação parcial e quantas vezes o próprio Estado, através do Ministério Público, acusa inocentes com base em informação parcial (indícios).

Como já referi noutro lugar (cf. aqui), se o caso chegar ao TEDH, este tribunal vai colocar três perguntas ao Estado português. Primeira, houve interferência do Estado (através do sistema de justiça) com o direito à liberdade de expressão de Pedro Frazão? A resposta é um claro sim. Segunda, essa interferência está prevista na lei? A resposta é ainda sim porque a lei consagra o direito à honra que limita o direito à liberdade de expressão. E, finalmente, essa interferência era necessária?

Não, de maneira nenhuma. Não apenas Francisco Louçã poderia ter desmentido a informação como poderia ter feito uma coisa muito mais elementar que nunca fez, que era a de, directamente ou por interposta pessoa (v.g., advogado), solicitar ao Pedro Frazão que corrigisse ou eliminasse a informação contida no tweet. Só depois desta diligência falhar se justificaria o recurso ao tribunal, e a intervenção do Estado poderia ser considerada necessária. 

A primeira e única comunicação que Frazão recebeu de Louçã foi uma notificação para comparecer em tribunal. O modo de relacionamento normal entre as pessoas não é através do tribunal, mas através de contacto pessoal, directo ou indirecto. Tivesse Louçã contactado Frazão e este teria corrigido a informação contida no tweet e somente em caso de não o fazer é que o recurso à via judicial ficaria justificado.

No decurso da vida diária as pessoas fazem afirmações que, na sua maior parte, são baseadas em informação imperfeita. Exprimem-se através de teses ou conjecturas (afirmações que têm uma certa probabilidade de serem verdadeiras) e não de verdades absolutas (afirmações que, de certeza, são verdadeiras).

A partir de agora, e de acordo com a decisão do Tribunal de Cascais, qualquer pessoa que faça uma afirmação baseada em informação parcial e que, por isso mesmo, não seja exacta, corre o risco de receber uma notificação em casa para responder em tribunal, e ser condenada por a ter feito. 

A partir de agora, só são permitidas no país afirmações baseadas em informação perfeita, verdades absolutas que, como se sabe, são raras. A conclusão a tirar do princípio imanente na sentença do Tribunal de Cascais é que  Pedro Frazão ou qualquer outro  português passa a ficar obrigado a permanecer calado a maior parte do tempo da sua vida.

A sentença do Tribunal de Cascais não tem nada de justa. É uma vergonha que, a ser seguida, tornaria a vida impossível a todos os portugueses, impedindo-os de comunicar uns com os outros.

Esta sentença é um virulento ataque à liberdade de expressão, próprio de uma tradição judicial herdeira da Inquisição e que se especializava precisamente nisso. Que ela tenha sido ressuscitada pela advogada Leonor Caldeira, 28 anos e militante do BE, não surpreende. O mais desconcertante é que ela tenha sido também ressuscitada pelo advogado que é considerado em Portugal como o campeão da defesa da liberdade de expressão (cf. aqui). 

A justiça portuguesa está corrupta e já não consegue oferecer qualquer resistência a ser utilizada para fins políticos e maliciosos.

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