Francisco Teixeira da Mota é um dos advogados portugueses que mais se tem distinguido pela defesa no TEDH do direito à liberdade de expressão sobre o direito à honra. Ele é, portanto, um crítico acérrimo de uma certa escola conservadora da jurisprudência portuguesa que, em contraposição com a jurisprudência do TEDH acerca do artº 10º da CEDH, faz prevalecer o direito à honra sobre o direito à liberdade de expressão.
Francisco Teixeira da Mota é autor do livro "A Liberdade de Expressão em Tribunal" (Fundação Francisco Manuel dos Santos, Lisboa, 2013) dedicado a defender a jurisprudência do TEDH e a combater a jurisprudência tradicional, que é anti-democrática e herdeira dos tempos do Estado Novo.
É o último capítulo desse livro, com o título "Conclusão" que, em parte, vou reproduzir a seguir (ênfases meus). Não sem reafirmar que o advogado que é capaz de escrever tudo o que vem a seguir, e para quem "a honra é uma chachada" (cf. aqui), foi o defensor da honra do conselheiro Louçã contra a liberdade de expressão do cidadão Pedro Frazão, militante e vice-presidente do Chega.
"A liberdade de expressão, naquilo que podemos considerar o seu núcleo essencial, encontra-se assegurada no nosso país. Resulta, no entanto, da análise das decisões judiciais a que conseguimos ter acesso que é, vezes demais, cerceada injustificadamente.
"Os maus tratos que a liberdade de expressão sofre às mãos dos tribunais no nosso país não são tanto consequência de más leis, mas, sobretudo de uma corrente de pensamento jurídico, sobre esta matéria, resultante de uma mentalidade conservadora ou paternalista.
"Esta visão do mundo não é uma qualquer aberração dos magistrados que a corporizam, antes representa uma constante da nossa história e da nossa maneira de estar no mundo. Caracteriza-se por "um respeitinho" ou temor reverencial, quando não servilismo perante as figuras do poder e uma enorme deferência pelo status quo social.
"Somos um país de pequenos mas importantes doutores e não gostamos de ser criticados. Levamos tudo muito a peito. Todas as críticas são pessoais, pondo em causa a nossa honra, bom-nome, consideração e toda a restante parafernália que nos ornamenta interna e externamente. Independentemente da realidade das nossas vidas, temos uma honra do tamanho do mundo.
"Não gostamos do debate público, de expressões claras, francas, directas ou agressivas. O rei nunca vai nu nem sequer na camisa. Preferimos ficcionar a todos como personalidades de elevado gabarito e competência técnica e moral, acima de todas as suspeitas ou críticas e estender esse manto de respeitabilidade a tudo o que fazemos. Uma vez alcandorados a qualquer posição de poder não temos de prestar contas. As nossas qualidades presumem-se por estarmos a ocupar esse mesmo lugar. E, como é evidente, quem nos criticar falta-nos ao respeito... que nos é devido!
"Na minha opinião, esta mentalidade contribui para o nosso atraso existencial e para a fraqueza das nossas instituições. É aqui que os tribunais ou melhor, a corrente conservadora dos mesmos, quando chamados para decidir os limites da liberdade de expressão com decisões restritivas, contribuem para esta nossa mentalidade paroquial e tacanha.
"O castrante paternalismo manifesta-se de forma inequívoca na visão que esta corrente tem dos portugueses: pessoas incultas, primárias, acriançadas e despidas de espírito crítico - só lêem os títulos, só percebem o que é evidente -, que é necessário proteger evitando-lhes o confronto com opiniões ou informações polémicas, agressivas, contundentes sobre as figuras do poder já que são incapazes de pensar por si próprias e tudo o que lerem ou que ouvirem tomam como verdadeiro.
"Exactamente o contrário da lógica norte-americana que vê os cidadãos como seres adultos e autónomos, capazes de tomarem decisões em função dos seus interesses depois de terem sido confrontados no mercado das ideias com as opiniões e informações mais contraditórias e mesmo falsas".
"(...)"
Vale a pena reiterar que quem escreveu isto é o advogado que defendeu a honra do conselheiro Louçã contra a liberdade de expressão do cidadão Pedro Frazão, levando à condenação deste último no Tribunal de Cascais.
Sem comentários:
Enviar um comentário