15 julho 2021

a instituição da liberdade


O CHEGA define-se como um partido conservador, portanto um partido que procura conservar as tradições portuguesas, adaptando-as à modernidade. Portugal tem uma forte tradição municipalista e não será exagero dizer que o seu mais lídimo representante foi Alexandre Herculano (cf. aqui). O municipalismo do CHEGA exprime-se na sua adesão ao princípio da subsidiariedade - Que o Estado Central não ouse meter-se naquilo que o Município pode fazer (cf. aqui)

Foi assim que procurei levar para a Convenção Autárquica do CHEGA, realizada no sábado passado em Santarém, a figura de Alexandre Herculano como referência (cf. aqui). Havia várias coincidências a ajudar.

A primeira era, obviamente, o facto de a Convenção Autárquica do CHEGA se realizar em Santarém, a cidade para onde Alexandre Herculano se retirou para viver os últimos (dez) anos da sua vida.

Foi na Quinta de Vale de Lobos (Azóia de Baixo, Santarém) que  Herculano acabou a realizar um dos grandes sonhos da sua vida - ser agricultor. O "Azeite Herculano" chegou a ser famoso no país e foi comercializado por aquela que é hoje a firma Jerónimo Martins ou a cadeia Pingo Doce

Ora, a segunda coincidência é que  Santarém se reclama precisamente como sendo a capital da agricultura no país e a Convenção Autárquica do CHEGA teve lugar nas instalações do CNEMA - Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas - onde anualmente tem lugar a tradicional  Feira Nacional da Agricultura ou Feira da Agricultura de Santarém (cf. aqui).

Na tradição liberal portuguesa, Alexandre Herculano é talvez o intelectual mais respeitado e foi dentro da tradição liberal que ele se tornou um grande defensor dos municípios. Nascido em 1820 em Lisboa, ele viveu o fim do absolutismo em Portugal na revolução de 1820, mas a inércia da cultura absolutista que vigorava em Portugal desde a sua fundação, manteve-se durante toda a sua vida, e foi contra ela que Herculano se bateu, às vezes de armas na mão, e não somente com a pena.

Uma dessas tradições absolutistas que perdurou em Portugal muito para além da morte de Herculano é a tradição inquisitorial na justiça, responsável por estes espectáculos mediáticos que hoje vemos regularmente no país, conduzidos pelo Ministério Público (antiga Inquisição) sob a batuta de um juiz-de-instrução (antigo juiz do Tribunal do Santo Ofício - um juiz que é ao mesmo tempo acusador) e que, pura e simplesmente, visam assassinar o carácter de pessoas, muitas vezes inocentes.

Não é de surpreender que Alexandre Herculano tenha dado uma especial atenção à Inquisição, que é a mais anti-liberal (ou anti-democrática) instituição que a civilização ocidental inventou. Na realidade, a Inquisição foi cultivada em Portugal e Espanha precisamente como reacção aos ventos democráticos e liberalizantes que sopravam do norte da Europa depois da Reforma protestante. Herculano é o autor da "História da Origem e do Estabelecimento da Inquisição em Portugal".

Herculano via nos municípios verdadeiros abrigos de liberdade individual contra a tradição absolutista, autoritária, anti-democrática, anti-liberal e inquisitorial que Portugal transportara nos últimos séculos da sua história. Na sua versão mais sucinta, o municipalismo de Herculano está expresso na sua cálebre "Carta aos eleitores do Círculo de Sintra" (cf. aqui).

Herculano era um homem de grande integridade pessoal e um intelectual muito respeitado no seu tempo. Perto da sua morte, olhando em volta para a corrupção que grassava no país, exclamou "Isto até dá vontade de morrer".  Então, como agora, em que a corrupção também grassa no país - mais uma coincidência - a figura de Herculano bem pode ser tomada como referência de integridade para um  Partido novo e que pretende mudar o status quo.

Existia uma última coincidência envolvendo Herculano no sábado passado na Convenção Autárquica do CHEGA em Santarém, mas esta era de carácter pessoal e  apenas parcial. Herculano morreu em Santarém aos 67 anos de idade. O economista que falava dele em Santarém naquele dia também tinha 67 anos de idade. Mas, felizmente, ainda não tinha morrido.

"Burro velho não aprende línguas", respondeu ele a Oliveira Martins e Ramalho Ortigão quando estes o convidaram para regressar a Lisboa a fim de participar na discussão das novas ideias que tinham chegado ao país - as ideias do socialismo. Este "liberdadeiro empedernido no pecado", como ele próprio se chamava, nunca iria aderir às novas ideias que representavam o exacto oposto das ideias pelas quais ele se tinha batido durante toda a sua vida. E acrescentou, em jeito de não vale a pena: "Não tarda que eu vá dar uma volta para o outro mundo sem tenção de voltar"

Pois bem, por onde quer que ele ande agora no outro mundo, embora sem intenção de voltar, eu estou certo que ele voltou a Santarém  no sábado passado para me inspirar a falar sobre um dos seus temas preferidos - o município, que era, para ele, a instituição da liberdade. 

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