15 julho 2021

A praça pública (I)


I. A refinada malvadez 


"Há efectivamente um padrão de investigação criminal da dupla [procurador] Rosário Teixeira, [inspector tributário] Paulo Silva (...) na sua relação com o juiz Carlos Alexandre" (Magalhães e Silva, advogado de Luís Filipe Vieira, cf. aqui, min 14:34)

Quando, há dois dias, eu previa que, desta vez, ao meter-se com a instituição mais popular do país - o Benfica - o Ministério Público podia apanhar a lição da sua vida (cf. aqui), eu desconhecia que aquilo que eu previa já estava, na realidade, em marcha desde a noite anterior, com a entrevista do advogado Magalhães e Silva à TVI.

O "padrão de investigação criminal" a que o advogado se refere e que envolve o procurador Rosário Teixeira, o inspector tributário Paulo Silva e o juiz Carlos Alexandre - os três principais protagonistas da Operação Marquês e agora da Operação Cartão Vermelho - tem várias características.

A primeira é a tendência para o espectáculo mediático. A segunda é a tendência para acusar pessoas inocentes e imputar crimes que não existem (na Operação Marquês acusaram 23 inocentes imputando aos arguidos 172 crimes inexistentes, cf. aqui). A terceira é a mais insidiosa de todas e é aquela que está aqui em causa.

Trata-se de o Ministério Público, com a aprovação do juiz Carlos Alexandre, declarar o processo sob segredo de justiça e depois fazer com que todos  os elementos da acusação apareçam na comunicação social de modo a assassinar em público o carácter dos arguidos (que frequentemente estão inocentes) sem que estes se possam defender por estarem sujeitos ao segredo de justiça.

Vale a pena repisar este ponto para se avaliar a refinada malvadez. O processo é declarado em segredo de justiça obrigando todos os intervenientes a não se pronunciarem sobre ele em público - Ministério Público, arguidos e respectivos advogados.

Mas depois, o processo, que está à guarda do Ministério Público, acaba por aparecer todo na comunicação social, hoje uma peça, amanhã outra, a qual só notícia e especula sobre um dos lados  - o da acusação -, sem que o outro lado - o do arguido - tenha a possibilidade de se defender por estar vinculado ao segredo de justiça.

Malvadez mais refinada é difícil de imaginar. Mas desta vez, a coisa saiu mal ao Ministério Público e ao juiz Carlos Alexandre.

O advogado Magalhães e Silva, depois daquele salamaleque corporativo de pedir autorização à Ordem dos Advogados, veio a público defender o seu cliente  Luís Filipe Vieira e arrasar o Ministério Público e toda a acusação. Aquele pormenor da data de 22 de Julho de 2014 (min. 12:48 e segs.) diz tudo sobre a incúria, o desleixo e a incompetência dos acusadores, senão mesmo sobre a sua malvadez.

Se até aqui só a acusação vinha para a praça pública, sem que os arguidos ou os seus advogados, tivessem a possibilidade de se defender, o advogado Magalhães e Silva instituiu uma nova prática. A partir de agora vem para a praça pública não apenas a acusação, mas também a defesa, quer dizer, passamos a ter um verdadeiro julgamento na praça pública. E quem sai pior são os acusadores que estavam habituados a agir na impunidade.

Existe uma outra conclusão a tirar e que é, provavelmente, a pior de todas. A justiça em Portugal atingiu o seu ponto mais baixo. A praça pública substituiu a sala do tribunal.

(Continua)

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