(Continuação daqui)
II. Uma visão dantesca
Os guardas da GNR recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça da condenação que lhe foi imposta na Relação, ao abrigo de um direito constitucional que é igualmente um dos mais importantes direitos humanos, que é o direito ao recurso em processo crime, que está previsto no artº 32º da Constituição (cf. aqui).
Este direito faz parte do direito mais amplo à defesa e é o direito que uma pessoa condenada em processo crime tem de ver a sentença avaliada por um tribunal superior, de tal maneira que a sentença só se torna efectiva se o tribunal superior a confirmar - aquilo a que os juristas chamam correntemente "a dupla conforme".
A importância deste direito não pode ser menosprezada. Ele tem em vista proteger os cidadãos não apenas de erros judiciais, mas de perseguição política feita através da justiça, especialmente importante num país, como é Portugal, que tem uma larga tradição de fazer perseguição política através do sistema de justiça.
O STJ respondeu aos guardas da GNR que não podia apreciar o recurso porque havia um acórdão do Tribunal Constitucional - o acórdão 595/2018 (cf. aqui) - que estabelecia como jurisprudência que o Supremo só poderia apreciar o recurso se a pena fosse de prisão, o que não era o caso dos guardas, que tinham sido condenados em pena de multa.
Por outras palavras - e esta é a grande ironia da referida "jurisprudência" -, o Tribunal Constitucional, que foi constituído para assegurar a constitucionalidade das leis, e garantir os direitos constitucionais aos cidadãos, negava aos guardas da GNR o direito constitucional ao recurso.
Antes de comentar a jurisprudência do acórdão 595/2018 do Tribunal Constitucional, vale a pena notar como o Supremo responde aos guardas, remetendo para a "jurisprudência" de um Tribunal que considera ser superior a ele, significando que o Supremo aceita ser supremo apenas no nome, porque o verdadeiro Supremo Tribunal do país passa a ser o Tribunal Constitucional.
Esta aceitação, que é na realidade uma submissão, tem uma consequência catastrófica para a justiça, que é a politização da justiça. É que enquanto os juízes do Supremo são verdadeiros juízes conselheiros, por assim dizer, a elite dos juízes do país, os "juízes" do Tribunal Constitucional, embora com a categoria e o vencimento de "juízes conselheiros", são, na sua maioria, meros militantes políticos nomeados pelos partidos, e que nunca fizeram um julgamento na vida.
Imaginar estes homens e mulheres, autênticos marçanos da judicatura, sentados nas cadeiras mais altas da magistratura, do alto do seu imenso poder e sobranceria, só superada pela sua ignorância e falta de experiência na matéria, a interpretarem leis e a fazerem jurisprudência, à qual até os verdadeiros juízes do Supremo têm de obedecer, para já não falar no comum dos cidadãos, é uma visão tão dantesca que o meu espírito imediatamente a repele.
E, no entanto, é esta a realidade. São marçanos da judicatura, mandatários políticos dos partidos, e não verdadeiros juízes conselheiros, que estão no vértice do nosso sistema judicial.
(Continua)
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