(Continuação daqui)
III. O Estado-árbitro
Quando, pela primeira vez, li o programa do Chega, a sensação com que fiquei foi a de que se tratava de uma adaptação muito bem feita do pensamento de Salazar ao século XXI. Era como se o programa tivesse sido escrito por um Salazar bastante mais liberal - já que o original não era muito -, que reconhecia a democracia parlamentar, a liberdade de expressão, que olhava com desconfiança as corporações e que extinguia o Ministério da Educação.
Do ponto de vista económico, o período do Estado Novo foi um período de extraordinário crescimento que não é possível encontrar em qualquer outro período da nossa história para o qual existam estatísticas. Não apenas isso. Durante o período do Estado Novo, Portugal foi o país que mais cresceu em toda a Europa Ocidental.
Podia não se gostar do Estado Novo por outras razões, como a proibição dos partidos políticos, a censura ou a guerra colonial. Mas, em termos económicos, qualquer economista não podia deixar de ficar impressionado com as suas altas taxas de crescimento económico e com a mobilidade social vertical que ele permitiu. Salazar governou a pensar nas classes mais humildes da população e ele próprio não se esquecia de lembrar amiúde que eram essas as suas próprias origens.
Também neste aspecto parece haver uma certa coincidência entre o eleitorado predominante do Chega e os estratos sociais que Salazar tinha predominantemente no espírito ao desenhar a arquitectura económica do Estado Novo. O Estado Novo dirigia-se, em primeiro lugar, a pessoas nascidas humildes e que queriam trabalhar e progredir na vida. E, neste aspecto, pelo menos, o Estado Novo foi um enorme sucesso.
Há momentos em que o programa do Chega parece decalcado do pensamento de Salazar, sobretudo quando se refere ao papel do Estado na vida económica e social. Acontece assim quando o programa se refere ao Estado-árbitro (cf. aqui), um tema que é dominante no pensamento económico de Salazar.
Num discurso pronunciado no Porto em Março de 1933, sob o título "Conceitos Económicos da Constituição" - e que Salazar mais tarde diria ter sido o discurso que mais dificuldade teve em compôr - disse ele, preparando o terreno para a sua defesa do Estado-árbitro:
"O Estado deve manter-se superior ao mundo da produção, igualmente longe da absorção monopolista e da intervenção pela concorrência".
Para ser um bom árbitro, o Estado não pode ser ao mesmo tempo jogador, sob pena de se corromper:
"Quando pelos seus órgãos a sua acção tem decisiva influência económica, o Estado ameaça corromper-se. Há perigo para a independência do poder, para a justiça, para a liberdade e igualdade dos cidadãos, para o interesse geral em que da vontade do Estado dependa a organização da produção e a repartição das riquezas, como o há de que ele se tenha constituído presa da plutocracia do país."
E o remate final:
"O Estado não deve ser o senhor da riqueza nacional nem colocar-se em condições de ser corrompido por ela. Para ser árbitro superior entre todos os interesses é preciso não estar manietado por alguns".
(Continua)
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