02 fevereiro 2021

Salazar e o Chega (II)

 (Continuação daqui)



II. Pessoa de bem

O André Ventura e o Chega introduziram no discurso político uma figura de retórica que era cara a Salazar - a figura da "pessoa de bem".

Já noutra altura escrevi neste blogue sobre a razão da utilização frequente dessa figura por Salazar (cf. aqui). 

Salazar recebeu da I República um Estado decrépito e corrupto, com muitas semelhanças com o Estado actual. O Estado que  recebeu era de tal modo irreformável que ele teve de o deitar fora e  criar um Estado de novo e, por isso deu ao novo regime o nome de Estado Novo.

Aquilo que diferenciava o Estado Novo do Estado Velho é que o Estado Novo, ao contrário do Estado Velho, iria ser governado por pessoas de bem, de que o próprio Salazar seria o expoente.

Uma pessoa de bem é aquela que trata os outros como gosta de ser tratada, cumprindo a chamada regra de ouro, aquela regra que existe em todas as religiões: "Faz aos outros aquilo que gostas que te façam a ti", ou, na forma negativa "Não faças aos outros aquilo que não gostas que te façam a ti".

Salazar iniciou a sua obra reformadora do Estado em 1928 quando foi nomeado Ministro das Finanças. Vinte anos depois, em 1948, no balanço que fez dessa obra no prefácio que redigiu à 4ª Edição dos seus Discursos, é a ainda ideia da "pessoa de bem" que ele enfatiza como a ideia directora da sua reforma:

"O equilíbrio [financeiro] representaria sobretudo a imagem de um Estado «pessoa de bem», que satisfaz pontualmente os seus compromissos, só gasta na medida das suas possibilidades e sabe organizar a vida colectiva com modéstia e com decência"  (Discursos, 5ª Edição, Coimbra Editora, p. x)

É provavelmente um sinal do estado a que o Estado português hoje chegou que, quase cem anos depois, a velha ideia salazarista da "pessoa de bem" volte a ser nova outra vez.

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