30 dezembro 2020

Uma corporação política (II)

 (Continuação daqui)


II. As autarquias locais

Na genética institucional da Inquisição está a defesa e a promoção de um poder absoluto, centralizado e corrupto. Por isso, o principal alvo de actuação do Ministério Público são as autarquias locais que constituem o maior obstáculo ao exercício do poder absoluto do Estado central sobre os cidadãos.

Desacreditar o poder local é um dos principais objectivos do Ministério Público. 

É o poder local que se interpõe entre o poder central e os cidadãos, protegendo os cidadãos dos abusos de um poder que é impessoal e distante. É o poder local, que é um poder relativo a uma pequena parcela do território, que permite aos cidadãos fugirem aos abusos do poder central. É o poder local, onde o escrutínio dos cidadãos é mais próximo e apertado, que menores possibilidades de corrupção oferece aos detentores do poder.

Para uma instituição, como o Ministério Público que, na senda da Inquisição, foi criada para promover e defender um poder absoluto, centralizado e corrupto, o poder local é o maior dos empecilhos. 

Por isso, não admira a  fúria com que o Ministério Público tem atacado o poder local em Portugal.

Cito a partir de um artigo do Pedro Santos Guerreiro no Expresso desta semana:

"Não há espaço nesta coluna para listar tudo, mas conto mais de cem autarcas de quase 80 câmaras em processos-crime, muitos acusados, outros na calha.

(...)

"O maior caso é o Éter, de alegada viciação de contratos pelo Turismo do Porto e Norte com câmaras. A primeira parte do processo acusa 29 [autarcas], incluindo Melchior Moreira e Manuela Couto. A parte das Lojas Interativas de Turismo, ainda sem acusação, lista 59 autarcas de 47 câmaras, incluindo 18 presidentes, como Almeida Henriques. O Tutti Frutti investiga alegados crimes em juntas de freguesia de Lisboa, com Carlos Eduardo Reis, Luís Newton e Sérgio Azevedo no centro de adjudicações a empresas de militantes do PSD e do PS. No Ajuste Secreto há 68 arguidos, incluindo autarcas e ex-autarcas como Hermínio Loureiro (...)" (ênfases meus)

Não é apenas na quantidade. É também na futilidade da maior parte das acusações do Ministério Público contra autarcas, de que a acusação pelo crime de prevaricação ao Presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, é o mais recente exemplo. 

Em Santa Comba Dão, o presidente da Câmara foi condenado a três anos de prisão - embora com pena suspensa - por uso indevido de um telemóvel e de um tablet (cf. aqui). 

Quando o Ministério Público tiver arruinado por completo a credibilidade do poder local, ele estará próximo de realizar a missão para que foi criado - a defesa e a promoção de um poder absoluto, centralizado e corrupto.

(Continua)

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