30 dezembro 2020

Uma corporação política (III)

 (Continuação daqui)

III. Rui Moreira

O Expresso é, por excelência, o jornal do sistema, seguido do Público, que foi fundado por jornalistas do Expresso.

No artigo do Pedro Santos Guerreiro, que citei em baixo, e que tem por mote a acusação do Ministério Público ao Presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, aquilo que me surpreendeu foi que ele, depois de citar toda aquela evidência, não tenha parado por um momento para se questionar: "Isto não pode ser... isto não cabe na cabeça de ninguém... os autarcas de Portugal serem corruptos às centenas...". 

É que, se o tivesse feito, provavelmente, logo a seguir, teria sido assaltado por uma dúvida cartesiana: "Se isto não pode ser... se não é credível que os autarcas portugueses sejam corruptos às centenas...então...provavelmente... os corruptos são aqueles que os acusam...".

Umas páginas antes, na secção "Altos e Baixos" do Expresso,  Rui Moreira é logo o primeiro dos "Baixos". Assim:

"Rui Moreira

Presidente da CM Porto

O autarca foi acusado pelo Ministério Público de prevaricação no caso Selminho por ter, alegadamente, violado os deveres de legalidade e de imparcialidade. Em causa, decisões tomadas na gestão de um conflito que opôs o município a uma imobiliária da família de Rui Moreira. O DIAP admite mesmo a perda de mandato. Moreira considera a acusação "ultrajante e infamante"".

A notícia visa atentar contra a credibilidade de Rui Moreira, e esse é também o objectivo do MP ao acusar o autarca. Mas em nenhum momento ocorre aos jornalistas do Expresso questionar a credibilidade de quem o acusa. Os nomes dos procuradores Nuno Serdoura e Ana Margarida Santos nem sequer são mencionados, quanto mais questionada a sua credibilidade.

É caso para perguntar: O que é que haverá em Rui Moreira para ser tão desejado pelo Ministério Público e ser assim tratado pelo Expresso, um jornal afecto ao PS, que até é o partido que tem mais autarcas perseguidos pelo Ministério Público? 

As designações de esquerda e direita foram estabelecidas durante a revolução francesa quando, na assembleia constituinte, os conservadores se sentaram à direita do rei e aqueles que queriam mudar a ordem estabelecida se sentaram à sua esquerda. 

Esta esquerda - a primeira esquerda da história política moderna - era constituída pelos liberais, já que a outra esquerda - aquela que viria a ser constituída pelos socialistas -, nessa altura ainda não existia, e só viria a nascer em meados do século seguinte.

Os primeiros visados pela Inquisição e pelo Ministério público foram os liberais, que foram também os primeiros contestatários da Igreja Católica e da monarquia absoluta, e os primeiros defensores da democracia.  

Só em meados do século XIX, quando o liberalismo já tinha pelo menos um século, é que surgiu o socialismo, que veio igualmente contestar a Igreja Católica e a monarquia absoluta. O socialismo distinguia-se do liberalismo pelo ênfase que punha na igualdade e pelas ideias de natureza económica - o socialismo defendendo uma economia centralizada e o liberalismo defendendo uma economia de mercado.

Os presidentes de câmara socialistas são, por isso, em Portugal um alvo a abater pelo Ministério Público, mas não um alvo tão desejado como o Presidente Rui Moreira do Porto. É que os presidentes de câmara socialistas mantêm uma ligação ao poder central, que também é socialista, ao passo que Rui Moreira governa a segunda maior cidade do país sem amarras ao poder central, como um liberal defensor de uma economia de mercado, da autonomia do poder local, e de uma sociedade civil forte.

Não existe inimigo pior para o Ministério Público. Um homem que é um forte defensor do poder local. Um homem que governa a segunda maior cidade do país de costas voltadas para, e às vezes afrontando, o poder central. Um homem que é um acérrimo defensor da iniciativa da sociedade civil. Um homem que é empresário e que provém de uma família de empresários. Um homem que exerce o poder com a máxima transparência pela simples razão de que é rico e não precisa da política para nada.

Um homem assim tem de ser eliminado. O Ministério Público, à imagem da Inquisição, não nasceu para defender e promover um poder limitado, descentralizado e transparente. Nasceu para defender e promover um poder absoluto, centralizado e corrupto.

(Continua)

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